João Felipe da
Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN,
membro do IHGRN e do INRG
Continuemos o relato de Francisco Othílio, iniciado no
artigo anterior. Preparados que foram as cousas, partimos para a Vila do
Príncipe (Caicó), chegando nós às 9 horas à fazenda São Paulo, do Sr. Rodrigo
de Medeiros Rocha, onde passamos a força do sol.
Aquele lugar merece que eu faça dele especial menção, não só
pela notável afabilidade com que fomos obsequiados, mas pelo indizível prazer
que mostraram todas as pessoas da família do Sr. Rodrigo com a nossa chegada.
Com efeito, o Sr. Rodrigo, de quem tanto se não esperava,
não pela falta de bons desejos, mas em razão de suas circunstâncias pouco
lisonjeiras, obsequiou-nos a nada deixar a desejar.
A Vila do Príncipe não há dúvida que é hoje uma das melhores
do sertão; e apesar de ser o seu solo nimiamente árido, todavia ali não faltam
recursos; porque os seus habitantes empregam todos os seus esforços a fim de
lhes serem menos difíceis e penosos os meios de subsistência.
O terreno sobre que se acha ela plantada nada tem de
agradável, e ao contrário é feio e bastante pedregoso, porém muito nova e boa a
sua edificação. A sua matriz é antiga, porém de boa construção; tem menos
cômodos do que a de nossa capital, e é mesmo alguma coisa diferente em sua
divisão interior, mas excede-a em asseio. Há um gosto extraordinário na festa
da padroeira e tem ela tanta nomeada que muitas pessoas do centro do Ceará,
Paraíba e até mesmo de Pernambuco vão ali passá-la com suas famílias.
Um povo imenso assiste sempre às novenas e às missas
cantadas, que ali celebram-se durante dez dias de festas.
Calculou-se em quatro mil pessoas que acompanham a
procissão, inclusive muitas senhoras, que por esse ato não são censuradas em
razão de ser costume antigo.
O madamismo apresenta-se sempre com muito luxo, mas esse
luxo pouco brilhava, porque muitos dos seus vestidos ainda são feitos por usos
que por aqui vão sendo esquecidos.
O bom acolhimento, que prestaram os senhores Vigário Rafael
Fernandes, e o Dr. Paulino Ferreira da Silva, é digno do maior elogio.
Depois de quatro dias de folganças passados entre o bulício
de uma numerosa população, que igualmente gozava dos prazeres da festa,
voltamos ao nosso primitivo estado de insipidez e de incômodos, sócios
inseparáveis daqueles que viajam pelos sertões em épocas já um pouco inconvenientes.
E qual não foi a tristeza que infundiu em meu coração o dia
29, em que pela manhã muito cedo vi deixar aqueles lugares tantas famílias que
haviam abrilhantado a festa com a sua assistência. A nossa viagem estava
destinada para a tarde do dia acima referido. E de feito às 4 horas encetamos a
jornada com destino à Serra do Martins, servindo-nos de guia até aquele ponto o
Sr, José Bernardo de Medeiros, um excelente companheiro. Ao sairmos
acompanharam-nos muitas pessoas, algumas das quais nos fizeram companhia até a
– Saudade – Fazenda do comandante superior Mariz, onde pernoitamos e fomos
recebidos cavalheiramente. Ali chegamos às 7 da noite.
No dia 30 pela manhã continuamos nossa marcha tocando na
povoação de Jardim de Piranhas às 9 horas pouco mais ou menos. Demoramo-nos um
pouco enquanto sua excelência examinava a Capela daquela povoação, e depois
seguimos. Às 11 horas do dia estávamos na Fazenda Pilões (Distrito da Paraíba),
fazenda de uma viúva cujo nome não tivemos a curiosidade de perguntar. Ali
descansamos, recebendo-nos ela belissimamente. Às 5 horas da tarde tivemos de
partir.
Ainda se viam perfeitamente no horizonte os coloridos raios
de sol quando avistamos na eminência de um longo campo dois edifícios; eram a
casa do major José Batista Saraiva e uma capelinha que acha-se ainda em obra.
Estávamos na fazenda Cachoeira também na Paraíba, uma das mais bonitas que
encontramos pelo Centro.
Naquele lugar passamos uma noite bem divertida. Depois de
uma lauta ceia, que foi presidida por três filhas e sobrinhas do mesmo major,
levamos até uma hora da noite ouvindo-as cantarem várias modinhas; dando eu
também nessa ocasião uma prova de que não era muito hóspede no violão.
No dia 31 pela manhã muito cedo estávamos de marcha,
passando às 7 horas na povoação de Belém (ainda na Paraíba) e chegando-se ao
Patu de fora às nove e meia.
Tomamos a casa do capitão José Severino de Moura, que
preventivamente havia mandado um próprio à Cachoeira com uma carta convidando
ao Sr. Presidente para descansar lá, no caso de passar por aquele lugar. O Sr.
José Severino tratou-nos como permitiam as suas circunstâncias, e convenço-me
de que ninguém de nossa comitiva ficou descontente.
Antes de encerrar este artigo, alguns comentários: o dono da
fazenda Saudade, citado por Othílio, não era o comandante superior das Legiões da
Guarda Nacional da Vila do Príncipe e Acari, Antonio Álvares Mariz, como pensou
Câmara Cascudo, pois faleceu em 1854, mas o filho dele, Manoel Monteiro Mariz, comandante
superior da comarca do Seridó, que faleceu em 1864; José Bernardo de Medeiros
era avô dos ex-governadores Dinarte Mariz e José Augusto; O vigário citado por
Othílio devia ser Padre Francisco Rafael Fernandes, sobrinho do senador, Padre
Francisco de Brito Guerra; Dr. Paulino Ferreira da Silva, bacharel, foi
promotor e deputado da Assembleia Provincial; Havia um Rodrigo de Medeiros
Rocha (Rodrigo Gordo), dono da Fazenda São Paulo, mas que em 1834 já era
falecido. Talvez o Rodrigo, citado por Othílio, seja descendente daquele; O
presidente Pedro Leão Velloso tinha 33 anos de idade, nessa época.
Mais um belo trabalho...uma verdadeira viagem. Parabéns!
ResponderExcluirBeleza de relato, e as observações nos situam no corte temporal.
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