segunda-feira, 16 de junho de 2014

A viagem de Leão Veloso (I)




João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
Havia, no Rio Grande do Norte, um jornal chamado “O Recreio”, e foi nele que Francisco Othílio Álvares da Silva, secretário de governo desta Província, escreveu um relato da viagem que fez o Presidente da mesma, Pedro Leão Veloso, no ano de 1861, em 44 dias. Foi das 13 edições, digitalizadas pela Biblioteca Nacional, que extraímos alguns trechos do Relatório de Viagem, para recompor esse relato.

Ás quatro horas da tarde do dia 11 embarcamos para o Morro, aonde chegamos às noves da noite. 

Principiaram dali os nossos maiores incômodos de viagem, porque, depois de andarmos de Herodes para Pilatos seguramente uma hora, procurando uma casa onde mais comodamente pernoitássemos, fomos por fim obrigados, em desconto dos nossos pecados, a ir dar com os ossos em um grande e imundo telheiro, que constitui a tão falada Fazenda do Morro: porém que a meu ver mais parece um asilo de cascavéis e jararacas do que habitação de homens! E era a residência de um Comandante Superior!

Ali e pela primeira vez deu sua Excelência exuberante provas de um verdadeiro viajante, não se mostrando enfadado por aquela péssima pousada, e acomodando-se com a refeição que de momento se preparou, já às 11 horas da noite.
Ás 9 do dia 12 chegaram os cavalos que se tinham mandado vir do Assú para nossa viagem e às 4 da tarde para ali partimos.

Ás 7 da noite chegamos ao Poço Verde, Fazenda do senhor Francisco Lins Wanderley, que hospedou-nos como era para esperar e desejar, passando ali a noite, e saindo para o Assú no dia seguinte pela manhã muito cedo.

O senhor coronel Manoel Lins Wanderley foi encarregado de nos hospedar, e louvores lhe sejam dados porque tratou-nos maravilhosamente. Eis-me, pois, na cidade do Assú, de que tão vantajosamente sempre ouvia falar. Em verdade a sua localidade é bela, e a edificação, que de presente está amortecida, revela algum gosto. Situada ao norte do rio do mesmo nome, em cujas férteis margens se fazem muitas e variadas plantações, ela oferece mais amplos recursos para a comodidade da vida, do que outros lugares, de que falarei adiante. Na tarde do dia 16, o excelentíssimo senhor Presidente, a convite de algumas pessoas, deu um passeio ao Piató, e visitou o cemitério. 

Disposta as cousas para a nossa viagem, partimos para o Acary no dia 17, às 4 horas da tarde, acompanhando-nos até a distância de 2 léguas as principais pessoas do lugar. 

Nesse trajeto, que na opinião de muitos consta de 28 léguas de excelente caminho, mas que pela minha tabela são 32, e boas, gastamos dois dias e meio, descansando nós e pernoitando em diversas fazendas.

Por aqueles lugares a ignorância ainda grassa admiravelmente, e tanto é isto uma verdade, que em um deles a – Divisão- onde estivemos uma manhã, um sujeito ouvindo falar no doutor engenheiro, dirigiu-se a mim e perguntou-me quais eram as mágicas que ele fazia.

Ás 8 horas da noite do dia 19 chegamos ao Acari já bem maçados, encontrando ao entrar da rua o Senhor Vigário Thomaz Pereira de Araújo, que sendo avisado já às 6 horas que sua Excelência para ali se dirigia, ia ao seu encontro em companhia de dois homens. A sua casa foi destinada para nossa hospedagem.

 Sem pretender ofender o melindre das pessoas que obsequiaram ao excelentíssimo Presidente e sua comitiva nesta viagem, forçoso é confessar que a jovialidade, franqueza, e maneiras delicadas com que nos tratou o Sr. Vigário Thomaz, conquistaram os nossas puras simpatias, o nosso sincero reconhecimento.

Enganei-me completamente no juízo que fazia da Vila do Acary, supondo ser de péssima edificação; mas não: contém 92 casas, sendo bem sofrível a maior parte delas. Notei, porém, que muitas estivessem fechadas, mas deram-me a razão disso que é – morarem os donos em suas fazendas ao redor da Vila, nas distancias de 2,3,4 e 5 léguas.

Uma matriz de grandes dimensões se está ali construindo, a qual, sendo concluída pelo modo por que deseja o Reverendo Vigário, será incontestavelmente uma das melhores da Província.

No dia 21 ás quatro horas da tarde já íamos no caminho da Vila do Jardim. Apesar, porém, do vagar com que caminhava o sendeiro, sempre às 8 horas da noite estávamos na Vila. Apeiei-me e entrei na casa destinada para nossa pousada, a do Sr. Manoel Ildefonso de Oliveira e Azevedo.

Aquela Vila que presentemente conta 36 casas de boa construção, pode ser um dos lugares importantes do centro, em razão do comércio que entretém com o Ceará e Paraíba.

Em a noite desse mesmo dia, a pedido do Sr. João Carlos, que tinha algumas relações na casa, duas filhas do Sr. Ildefonso nos deram a honra de ouvi-las por algumas horas, tocando algumas peças de difícil execução e cantando varias modinhas de gosto.

Ao término deste 1º artigo fazemos algumas observações: O comandante superior, de que fala Francisco Othílio, era Jerônimo Cabral Pereira de Macedo, dono da Fazenda Morro, falecido em 1860; Manoel Ildefonso era o bisavô do professor Max Cunha de Azevedo; O padre Thomaz Pereira de Araújo era neto pela parte materna do presidente que foi da nossa província, Thomaz de Araújo Pereira (3º do nome). O padre fez uma escritura de perfilhação, em 1869, onde reconheceu seus seis filhos que teve com mulheres solteiras, faleceu em 1893; Manoel Lins Wanderley era o pai da Baronesa de Serra Branca.



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