segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A submissão à Capitania de Pernambuco e à Comarca da Paraíba

João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN e membro do INRG
Na descrição de Caetano da Silva Sanches, além da epidemia de bexiga, na cidade de Natal e vizinhanças, faltavam alimentos, medicamentos, e médicos. Continua Caetano na sua correspondência para Martinho de Mello e Castro: de todo o referido dei parte ao General (D. Thomaz José de Mello), e resultou mandar-me ordem para que fizesse rematar o contrato das carnes, e como nesta cidade não há um homem que possa rematar, indagando os que teriam posse para o fazerem, os mandei convidar par virem lançar, e ver se havia quem desse seu lanço mais cômodo a favor do Povo, e antes de por esta determinação em execução, chegou  aqui, em 17 de março, o Corregedor da Comarca trazendo em sua companhia um homem para lançar no dito contrato (em outro documento, Caetano representa contra esse Corregedor), e no dia 18 a pôs em praça, e lançou o dito homem seis meses a seiscentos e quarenta réis por arroba, e outro seis meses e quatrocentos e oitenta réis por arroba, e sabendo eu deste acontecimento, e antes que se fizesse o termo do dito lanço, fui ter com o dito Corregedor, e lhe disse que para o mesmo fim eu tinha mandado convidar uns poucos de homens para virem lançar, e por este modo se buscava a comodidade do Povo, e que não era justo que este a comprasse por tão alto preço, havendo nesta Capitania, mais de quatrocentas fazendas de gados; e que quisesse ele Corregedor esperar alguns dias, que mandava vir os ditos homens com brevidade. Respondeu-me que não podia, e no mesmo dia fez o termo do referido lanço e se foi embora.
No dia 27 do mencionado mês se ajuntara nesta cidade homens por mim convocados, e depois de participar a Câmara a ordem do General em virtude do qual puseram em lanços o contrato da carne por este ano, e lançou só um homem a quatrocentos e oitenta réis por arroba, e não obstante ter-se feito o dito termo para o ano de 1792, em atenção as minhas rogativas, e ver que todo o meu desejo é só beneficiar este miserável Povo, lançou o mesmo dito homem para o ano vindouro a quinhentos réis por arroba, e os mais não lançaram, creio que por uma diabólica política, e este miserável Povo o não pode comprar por semelhante preço e nem o deve comprar, pois nesta Capitania nascem os gados e há o cômputo das Fazendas acima declaradas, e sempre se vendeu a carne nesta cidade a trezentos e vinte e três a arroba, exceto o ano passado que aqui, a introduziram a quatrocentos e oitenta réis por arroba, eu boa vontade tinha de obrigar aos que tem fazenda de gados a virem, cada um o seu mês, matar gados e vendê-los no açougue, por um preço racional que nem lhes ficassem prejudicados, nem o Povo lesado, e o não tenho feito por não ter jurisdição para isso nem ordem para o poder fazer.
Pelas muitas repetidas que tive, logo que tomei posse deste governo, de vários moradores vizinhos das Vilas de Arês, e de Vila Flor, que os índios das referidas Vilas destruíam as suas lavouras; indagando eu o motivo desta desordem me informaram que os ditos índios iam para a Capitania da Paraíba, e por lá ficavam dispersos e os que voltavam para as ditas Vilas como não tinham plantado vinham destruir as plantas alheias, e para evitar esta desordem passei ordens aos capitães-mores das mencionadas Vilas, para não consentirem ir índio algum para fora desta Capitania sem ordem do General, e nem ainda para o trabalho dos particulares desta mesma Capitania os não dessem sem que primeiro tivessem feito as suas plantas, e agora me consta que o Corregedor da Comarca  era que os mandava buscar para a dita Capitania para diversos trabalhos de plantar, e por estas minhas determinações me tem o dito Corregedor intrigado com o General (Pela época, suspeito que esse Corregedor era Antonio Felipe Soares de Andrade e Brederode, que foi sucedido por Gregório José da Silva Coutinho com a incumbência de sindicar seu antecessor).
Por uma ordem vocal que me deu o General, reduzi duas companhias de Infantaria que guarnecem esta Cidade a uma, e o total dela são cem praças, incluindo neste numero um capitão, um ajudante, um tenente, e um alferes; o armamento que tem esta Companhia é inútil, e já pedi ao General me mandasse outro, respondeu-me que o não tinha. Queira Vossa Excelência fazer-me a mercê de mandar-me noventa e quatro armas, outros tantas patronas, e boldriés, e duas caixas de guerra.
Remeto a Vossa Excelência o mapa dos terços auxiliares, e companhia que guarnece esta cidade, e do estado em que está a Fortaleza. O sargento-mor e o ajudante de cavalaria auxiliar da Vila Princesa são paisanos e nenhum conhecimento tem dos serviços e, por isso, não podem disciplinar seu Regimento e nem eu posso também disciplinar por se achar distante desta cidade sessenta léguas.
Da relação inclusa verá Vossa Excelência o quanto importaram os Dízimos Reais nesta Capitania que se rematam por triênio, e as despesas que se fazem, exceto os extrajudiciais que acrescem.
Ponho na presença de Vossa Excelência a cópia da ordem de Fidelíssima Majestade em a qual me dá faculdade que sempre a tiveram os meus antecessores, da proverem os ofícios de Justiça e Fazenda, e passarem patentes de alguns postos de ordenança, e dar terras de sesmarias tudo para o fim de autorizar o meu posto; toda esta regalia me tem tirado o General, em uma palavra, Excelentíssimo Senhor, até os mesmos cabos de esquadra e inferiores dos terços auxiliares o general os faz, eu aqui nenhuma jurisdição tenho e como o não tenho entendo que nenhum serviço faço aqui a Majestade. Queira Vossa Excelência dar providência a este minha tão justa representação, ainda quando tenho certeza que o capitão-mor do Ceará está gozando de toda a Jurisdição e autoridade que a Fidelíssima Majestade lhe concede, e só a mim se não me permite o que a mesma Senhora me faculta, e o tiveram todos os meus antecessores.
Deus Guarde Vossa Excelência, Cidade do Natal, 29 de Abril de 1791. Caetano da Silva Sanches.