João Felipe da
Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN,
membro do IHGRN e do INRG
Muitos documentos escritos, da História do
nosso Brasil, encontram-se submersos em vários arquivos públicos ou privados,
daqui e d’além mar. Encontro no nosso IHGRN um livreto, de apenas 30 páginas,
de autoria do historiador natalense, Guarino Alves, com o título: Capitanias
Hereditárias ou dissertações sintéticas de um historio-geógrafo, editado em
Fortaleza. Traz informações muitas ricas para a História do Rio Grande do
Norte. Entre outras obras desse autor, cito: Pequena história do Cabo de São
Roque; Origem do nome histórico “Ponta do Mel”; João Rodrigues Colaço; O Verde
Potengi e Designação amerígena da Ponta do Calcanhar.
Nesse livreto, um dos títulos é:
Considerações sobre o Porto dos Búzios que transcrevo para cá:
Escritores cearenses trouxeram à baila a
ideia de uma fronteira na capitania dos Potiguares pela ponta dos Búzios. O Sr.
Thomaz Pompeu Sobrinho, por exemplo, diz, a propósito, o seguinte:
“Num documento curioso, “certidão referente a
uma questão de limites da capitania de João de Barros”, de 3 de março de 1564,
publicado por Antonio Baião, em 1917, verifica-se que o ponto lindeiro entre a
capitania do feitor da casa da Índia, e a de Itamaracá não era a baía da
Traição e nem o lugar dado por Gabriel Soares, porém uma ponta de terra que
devia passar obra de meia légua do porto dos Búzios, o qual ancoradouro fica na
barra do rio que os potiguares chamavam Pyramgipepe, segundo o mencionado
documento, isto é, Pirangi. Realmente, deste ponto as 100 léguas vão terminar
na enseada da Curimicoara, a Angra dos Negros dos antigos mapas.”
A questão de limites surgiu em consequência
de o capitão de Itamaracá, João Gonçalves, haver explorado, sem mandado de ninguém,
a costa vizinha à de Dona Isabel Gambôa, sucessora de Pero Lopes de Sousa.
Houve protesto de Antonio Pinheiro, Procurador de João de Barros, na Vila dos
Cosmes de Igaraçu, no dia 3 de março de 1564:
...”ho dito porto dos Búzios que pela língua
dos imdios se chama Piramgypepe está fora da demarcação de dona Isabel e está
na capitania e terra do dito seu constituinte he e seu he estaa de posse delle
de muitos hanos há esta parte e como tal lho teve arremdado por certos hanos a
Martim Ferreira de São Vicente e que ho houve de Pero de Goes comprado e que
sempre ho dito seu constituinte deu licenças pera o dito porto em seus
procuradores nesta terra arrendarem por as ditas licenças em dinheiro e
escravos e em búzios.”
Conseguintemente, o protesto por si já mostra
o direito de João de Barros.
Desde quando se explorava o Porto dos Búzios?
No dia 3 de março de 1564, Antonio Pinheiro,
Procurador daquele muito distinto e erudito fidalgo, arrolou quatro
testemunhas, Manoel Fernandes, Fernão d’Holanda, Gonçalo e Bartolomeu Royz, e a
4, as inquiriu Manuel Pereira, em presença do Juiz Ordinário, João Fernandes.
Ficou esclarecido que o Porto pertencera a Pero de Góis, fora arrendado depois
a Martim Ferreira, e que ali se coletava búzios desde aproximadamente vinte
anos: “ave rahobra de vinte anos pouco mais ou menos”, disse perante o Juiz a
testemunha Bartolomeu Rodrigues.
Segundo o depoimento de Manoel Fernandes, o
fidalgo Pero de Góis “vendera o porto dos búzios que era seu com dez léguas de
costa ao dito João de Barros, feitor da Casa da Índia, dizendo que lhas dera
por quinhentos cruzados.”
Ignora-se a data dessa transação, mas é
posterior à da donatária de Barros. Significa que Pêro de Góis já era dono do
lugar muito antes da Carta de doação ao Feitor da Casa da Índia. E sendo assim,
pergunta-se: em que ano adquiriu Pero de Góis as dez léguas de costa? Ninguém
sabe, e no entanto há uma passagem em Frei Vicente do Salvador, dizendo isto:
“Em companhia de Pero Lopes andou por esta
costa do Brasil Pedro de Góis, fidalgo honrado, muito cavaleiro, e pela afeição
que tomou à terra pediu a El-Rei D. João que lhe desse nela uma capitania, e
assim lhe fez mercê de cinquenta léguas de terra ao longo da costa ou aos que
se achassem donde acabassem as de Martim
Afonso de Sousa, até que entestasse com as de Vasco Fernandes Coutinho.”
Ora, as viagens costeiras de Pero Lopes são
de 1531-1532. A escolha e apossamento do Porto dos Búzios por Góis vem,
portanto, dessa época, e feitos pelo que se deduz, à revelia do rei, já que a
capitania oficial de Pero de Góis, estava encravada no sul do país. Dessarte, é
de supor-se que acontecera o seguinte: doada a Costa dos Potiguares a João de
Barros e Aires da Cunha, da Baía da Traição até a Angra dos Negros, viu-se
empenhado o ilustre Feitor da Casa da Índia, em indenizar a Pero de Góis, pelas
dez léguas do Rio Grande, na importância de quinhentos cruzados; e, posteriormente,
arrendou-o a Martim Ferreira, sócio de Pero de Góis, em aventuras comerciais.
Fica bastante explícito que a questão de
limites verificada na Vila dos Cosmes de Igaraçu não retifica os termos da
Carta de doação da capitania de João de Barros e Aires da Cunha, nem deixa
supor que a fronteira primitiva, segundo o critério adotado por alguns
escritores cearenses, se fazia pela Ponta dos Búzios.
Como fronteira “primitiva”, se esta começou
com a Carta de doação de 1535, na Baía da Traição? Como fronteira “primitiva”,
se a nesga de costa de Pêro de Góis não se entrosara no sistema de doações de
capitanias hereditárias? O fato é que a “estação” balneária de Pero de Góis vem
dando margem a ideias fantasiosas. Aqui termina o texto de Guarino.
Esse Antonio Baião, citado acima, foi Diretor
do Arquivo da Torre do Tombo e sócio correspondente da Academia das Ciências de
Lisboa, e o título do seu livro que contém o documento curioso a que se refere
Thomaz Pompeu é: Documentos inéditos sobre João de Barros. Há cópia no IHGRN.
Acredito que o francês João Lostau já atuava
nessa área, que foi de Pero de Góis, antes de receber suas sesmarias, a partir
de 1601.
Trecho do Rio Pirangi, do outro lado da ponte |