João Felipe da
Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN,
membro do IHGRN e do INRG
Recebi, por e-mail, um pedido do
Dr. Geraldo Pereira, nos seguintes termos: meu caro João Felipe da Trindade, encontrei
a sua bem organizada página na Internet, tratando de história e genealogia.
Eu estou procurando um detalhe de
meu bisavô, Vicente Ignácio Pereira, que foi médico no Ceará-Mirim; detalhe que
francamente não tenho obtido sucesso em minhas buscas, navegando por blogs e
ligando para amigos no RN. Sou filho de Nilo Pereira, historiador e escritor,
nascido no verde vale do Ceará-Mirim. Vejo que você é meu colega duplo, porque
professor como eu - aposentado da UFPE - e membro do Instituto Histórico. Eu
encontrei por aqui no Recife, um trabalho de meu bisavô sobre cólera e sendo eu
médico, como ele, achei por bem escrever sobre a publicação, aliás, com algumas
antecipações dele.
O claro em meu ensaio, que deve
ser apresentado na Academia Pernambucana de Medicina e publicado na Revista do
IAHGP, é o da doença de uma das filhas de Vicente, falecida aos 15 anos de
idade e que fez o pai jurar, diante do esquife, que deixaria a medicina, como
aconteceu. Não sei de que doença essa moça morreu e quando foi isso. Na sua
página não existe nada sobre isso, mas pode ser que me ajude. Eu tinha por aqui
o livro de Cascudo sobre o RN, mas não há jeito de encontrar. Pode ser que
exista alguma referência sobre isso, pois o meu bisavô foi Vice-Presidente da
Província e assumiu a Presidência por pouco tempo.
Com as informações passadas pelo
Dr. Geraldo, fui vasculhar livros de óbitos de Ceará-Mirim, mas não encontrei
nada. Mas, pela importância que teve na nossa Província, Dr. Vicente Ignácio,
fui procurar nos velhos jornais, digitalizados pela Hemeroteca Nacional, alguma
indicação sobre a filha falecida. No Correio do Natal, de 16 de novembro de
1878, cujo redator era João Carlos Wanderley, encontrei uma informação que
transcrevo, em parte, para este artigo, a seguir.
Ela foi receber no céu a
recompensa que o Altíssimo lhe tinha destinado, como galardão de suas
reconhecidas virtudes.
Ao gélido sopro da morte,
crestou-se para sempre uma das mais belas e esperançosas flores de Ceará-Mirim!
Como uma rosa que emurchece, ou
como uma estrela que de súbito se oculta no ocaso, assim finou sua precoce
existência, no infausto dia 8 corrente, pelas 5 horas da manhã, no Engenho
Guaporé, do município de Ceará-Mirim, a Exma. Sra. D. Maria Christina Varella
Pereira, muito digna e virtuosa filha do nosso prestimoso amigo o Sr. Dr.
Vicente Ignácio Pereira.
Tais eram os predicados da
ilustre finada, e tais os dotes que a recomendavam, que vacilamos em descrevê-los!
Na idade de 13 para 14 anos,
quando se sentia estremecida e cercada dos afetos e carícias de seus pais,
irmãos e parentes, uma hemorragia nasal veio roubar-lhe prematuramente a
preciosa existência, e separá-la do mundo terreno para ir na pátria celestial receber das mãos do
Altíssimo a recompensa destinada à suas preclaras e reconhecidas virtudes.
Sim, a negra mão da morte não
quis que aquela que tinha tantos e tão invejáveis predicados naturais, herança
de seus dignos progenitores, permanecesse por mais tempo na terra!
Conhecendo de perto a mágoa que
eflige neste momento o coração de seus pais, irmãos e parentes, causada por
aquele infausto passamento, o qual veio sem dúvida abrir no seio da família da
ilustre donzela uma lacuna impreenchível, e como prova de amizade e estima que
lhe consagramos, viemos também por este meio na gélida porta do seu túmulo, no
cemitério do Engenho São Francisco, onde
foi dado seu corpo à sepultura pelas 5 horas da tarde do mesmo dia, um ramo de
roxas saudades, suplicando ao Altíssimo coloque sua alma na mansão dos anjos.
Foi o link dessa página do
Correio do Natal, que passei para Dr. Geraldo, acreditando ser essa informação
o detalhe que ele tanto procurava para completar o claro no seu trabalho.
Feita a apresentação, descobri, posteriormente,
um registro de óbito na Freguesia de São José de Angicos, que me surpreendeu,
pois a mesma doença levou a óbito, outra filha do Dr. Vicente Ignácio Pereira e
de sua esposa, filha do barão de Ceará-Mirim.
Aos 13 de maio de 1885, faleceu
Cândida da Natividade Varella Pereira, filha legítima do Dr. Vicente Ignácio
Pereira e Izabel Augusta Varella Pereira, da Freguesia de Ceará-Mirim, livre,
solteira, e brasileira, com 15 anos de idade, sem profissão, sendo a causa
morte hemorragia nasal, e o lugar do óbito, no domicilio; o seu cadáver, por
mim encomendado, foi sepultado no Cemitério Público desta Vila, em catacumba,
no dia 14 do dito mês, e ano; do que mandei fazer este termo em que assino. O
Vigário Felis Alves de Souza.
O Barão de Ceará-Mirim tinha uma
fazenda em Angicos, denominada Santa Luzia. É possível que Cândida tenha ido
para lá a fim de se tratar da sua doença, pois, para Angicos foram várias
pessoas cuidar da saúde. Talvez, essa segunda morte na família é que tenha
levado Dr. Vicente a decidir por abandonar a medicina.
Continuo conversando, via
e-mail, com Dr. Geraldo Pereira, que ultimamente me passou mais a seguinte
informação: Um fato, porém, importante é a frequente alusão em casa, por
parte dele (Nilo Pereira), ao fato de ser descendente de uma família na
qual havia uma doença hematológica, que ele, meu pai, dizia que era hemofilia,
mas não era. Talvez isso justificasse os dois óbitos! É que falei com uma
hematologista lá do Recife, por duas vezes, obtendo dela a informação de que
pode ter sido uma discrasia sanguínea, seja de cunho celular propriamente, isto
é, em termos de doença das plaquetas ou da coagulação mesmo.
Cândida da Natividade |