João Felipe da
Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN,
membro do IHGRN e do INRG
No
jornal “A Época”, de 3 de janeiro de 1914, digitalizado pelo Hemeroteca
Nacional, há uma matéria com o título: Fracassou o projeto de acordo entre aciolistas e rabelistas para
normalizar o Ceará. Nessa matéria, teremos oportunidade de conhecer melhor o
marechal Hermes, que apoiou a sedição de Juazeiro, chefiada pelo padre Cícero,
uma das páginas mais vergonhosas da república brasileira. Está escrito lá:
Ontem,
à tarde, quando tumultuosamente palpitava a multidão na expectativa ansiosa de
rever e aplaudir essa inconfundível e arrojada figura de Santos Dumont, palestravam,
à porta do cinema Avenida, dois nortistas, que exercem influência na política
dos respectivos Estados.
Um
deles, rabelista ardoroso, relatava ao seu companheiro, adversário curagé(?) da oligarquia
norte-riograndense, o insucesso das negociações propostas pelo marechal Hermes,
no sentido de ser obtida a pacificação do Ceará.
-
O fracasso do acordo que se pretendia realizar, ou melhor, que o marechal
patrocinava, como advogado da facção oposicionista, é um fato. O Moreira da
Rocha, como representante de Franco Rabello, assegurava a anistia aos rebeldes,
caso eles depusessem as armas, sendo condição indispensável ao cumprimento
dessa medida, a retirada dos Drs. Lavor e Floro Bartholomeu, de Juazeiro, onde
as suas presenças determinariam de futuro, a reprodução dos acontecimentos, que
se estão desenrolando naquela região.
Como
se vê, as condições propostas pelo Franco Rabello são as mais aceitáveis, e,
se, realmente, houvesse, por parte do marechal, o desejo sincero de fazer cessar
a luta fratricida, nenhum outro meio melhor do que esse se lhe antolharia.
-
E que respondeu o marechal ao Moreira da Rocha? – atalhou o interlocutor.
-
A princípio, teve evasivas, terminando, porém, por dar a entender claramente ao
representante cearense, que os rebeldes não aceitariam, de modo algum, a
proposta do Sr. Franco Rabello.
Pretendiam eles muito mais do que lhes oferecia, isto é, aspiravam ascender aos
cargos públicos e ver admitida a sua influencia na política estadual.
O
Moreira da Rocha teve, então, um momento de desânimo, mas refazendo-se logo,
propôs ao marechal, que o observava com o olhar perquiridor:
-
V. Ex. poderia, neste caso, telegrafar ao padre Cícero, salientando a sua
reprovação ao movimento de rebeldia que ele se fez chefe, o que, estou certo,
determinaria uma profunda modificação na sua conduta.
O
marechal, como resposta, teve um largo gesto teatral que acompanhou de uma
frase mais ou menos equivalente a esta:
-
Não! Eu não me posso corresponder com o padre Cícero!
-
Mas V. Ex., por ocasião da campanha eleitoral no Rio Grande do Norte,
telegrafou ao capitão J.da Penha, procurando demovê-lo da luta.
-
Fi-lo, mas, naquele caso, tratava-se de um companheiro de armas, com um nome e
uma reputação respeitáveis, com quem eu me podia corresponder sem desdouro, e
não um bandido como o padre Cícero.
Antes
essa recusa formal, o Moreira da Rocha deu por terminada a sua missão e
retirou-se.
Continuou,
então, o autor da matéria do jornal “A Época”.
Afora
a barretada ridícula e extemporaneamente feita ao ardoroso republicano capitão
J. da Penha, tudo mais que Sua Ex. disse ao Sr. Moreira da Rocha, demonstra de
modo patente, muito embora as afirmações em contrário, que S. Ex. se mantém
irredutível ao lado dos rebeldes de Juazeiro e veria de muito bom grado a
realização dos seus intuitos de deposição do governador.
É
irrisória a declaração do marechal de que não pode corresponder-se com um
bandido como o padre Cícero, quando nós vemos S. Ex., a servir de mediador
entre duas facções em luta, uma das quais precisamente constituída pelos amigos
e companheiros do famigerado sacerdote a quem S. Ex. tão pejorativamente se
referiu.
E
como o marechal não está disposto a descer do alto de sua dignidade para
telegrafar ao bandoleiro “ousado”, que lhe manda diariamente notícias suas, o
Ceará continuará mergulhado em sangue, até que o Sr. Franco Rabello jugule de
vez o movimento e castigue os culpados com o merecido rigor.