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terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O marechal e o padre, 1914




João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG

No jornal “A Época”, de 3 de janeiro de 1914, digitalizado pelo Hemeroteca Nacional, há uma matéria com o título: Fracassou o projeto  de acordo entre aciolistas e rabelistas para normalizar o Ceará. Nessa matéria, teremos oportunidade de conhecer melhor o marechal Hermes, que apoiou a sedição de Juazeiro, chefiada pelo padre Cícero, uma das páginas mais vergonhosas da república brasileira. Está escrito lá:

Ontem, à tarde, quando tumultuosamente palpitava a multidão na expectativa ansiosa de rever e aplaudir essa inconfundível e arrojada figura de Santos Dumont, palestravam, à porta do cinema Avenida, dois nortistas, que exercem influência  na política  dos respectivos Estados.
Um deles, rabelista ardoroso, relatava ao seu companheiro, adversário curagé(?) da oligarquia norte-riograndense, o insucesso das negociações propostas pelo marechal Hermes, no sentido de ser obtida a pacificação do Ceará.

- O fracasso do acordo que se pretendia realizar, ou melhor, que o marechal patrocinava, como advogado da facção oposicionista, é um fato. O Moreira da Rocha, como representante de Franco Rabello, assegurava a anistia aos rebeldes, caso eles depusessem as armas, sendo condição indispensável ao cumprimento dessa medida, a retirada dos Drs. Lavor e Floro Bartholomeu, de Juazeiro, onde as suas presenças determinariam de futuro, a reprodução dos acontecimentos, que se estão desenrolando naquela região.

Como se vê, as condições propostas pelo Franco Rabello são as mais aceitáveis, e, se, realmente, houvesse, por parte do marechal, o desejo sincero de fazer cessar a luta fratricida, nenhum outro meio melhor do que esse se lhe antolharia.

- E que respondeu o marechal ao Moreira da Rocha? – atalhou o interlocutor.

- A princípio, teve evasivas, terminando, porém, por dar a entender claramente ao representante cearense, que os rebeldes não aceitariam, de modo algum, a proposta  do Sr. Franco Rabello. Pretendiam eles muito mais do que lhes oferecia, isto é, aspiravam ascender aos cargos públicos e ver admitida a sua influencia na política estadual.

O Moreira da Rocha teve, então, um momento de desânimo, mas refazendo-se logo, propôs ao marechal, que o observava com o olhar perquiridor:

- V. Ex. poderia, neste caso, telegrafar ao padre Cícero, salientando a sua reprovação ao movimento de rebeldia que ele se fez chefe, o que, estou certo, determinaria uma profunda modificação na sua conduta.

O marechal, como resposta, teve um largo gesto teatral que acompanhou de uma frase mais ou menos equivalente a esta:

- Não! Eu não me posso corresponder com o padre Cícero!

- Mas V. Ex., por ocasião da campanha eleitoral no Rio Grande do Norte, telegrafou ao capitão J.da Penha, procurando demovê-lo da luta.

- Fi-lo, mas, naquele caso, tratava-se de um companheiro de armas, com um nome e uma reputação respeitáveis, com quem eu me podia corresponder sem desdouro, e não um bandido como o padre Cícero.

Antes essa recusa formal, o Moreira da Rocha deu por terminada a sua missão e retirou-se.
Continuou, então, o autor da matéria do jornal “A Época”.

Afora a barretada ridícula e extemporaneamente feita ao ardoroso republicano capitão J. da Penha, tudo mais que Sua Ex. disse ao Sr. Moreira da Rocha, demonstra de modo patente, muito embora as afirmações em contrário, que S. Ex. se mantém irredutível ao lado dos rebeldes de Juazeiro e veria de muito bom grado a realização dos seus intuitos de deposição do governador.

É irrisória a declaração do marechal de que não pode corresponder-se com um bandido como o padre Cícero, quando nós vemos S. Ex., a servir de mediador entre duas facções em luta, uma das quais precisamente constituída pelos amigos e companheiros do famigerado sacerdote a quem S. Ex. tão pejorativamente se referiu.

E como o marechal não está disposto a descer do alto de sua dignidade para telegrafar ao bandoleiro “ousado”, que lhe manda diariamente notícias suas, o Ceará continuará mergulhado em sangue, até que o Sr. Franco Rabello jugule de vez o movimento e castigue os culpados com o merecido rigor.

No dia 22, do mês seguinte a essa matéria, era assassinado em Miguel Calmon, por um jagunço do grupo apoiado pelo governo federal, o capitão tão elogiado pelo marechal. Como se sentiu o Presidente da República, nessa hora, com a morte do seu colega de armas?