João Felipe da Trindade
jfhipotenusa@gmail.com
Este artigo complementa dois outros, aqui publicados, de uma entrevista que o jornalista Pedro Avelino deu, após seu retorno de Acre, onde exerceu o carto de Prefeito do Departamento do Alto Juruá.
Após a descrição do Acre e do Departamento do Alto Juruá, na entrevista para o jornal " A Imprensa", o major Pedro Avelino fez nova pausa.
-
O Sr. Já falou ao Sr. Presidente da República e ao Sr. Ministro do Interior?
Perguntamos.
-
É justamente por não o ter feito que estou a pensar até onde iremos com esta
palestra.
Perdão!
Tendo o Sr. sido deposto, é natural o nosso desejo de saber as causas e os
autores desse golpe, na pessoa do Prefeito que foi... E não seria indiscreto
indagar?
-
Ora, eu lhe conto: essa ideia de autonomia do Acre é o eixo em torno do qual
giram as explorações e conclama aos magotes aqueles aventureiros de vasa moral
de que lhes falei, encabeçados por meia dúzia de indivíduos que sabem, com
artimanhas de todo o feitio e despudor galvanizado, fingir importância.
Em
lá chegando, encontrei as explorações dessa horda, a título de
autonomia:acabaram de depor o prefeito, Sr. João Cordeiro, iniciando um
tremendo movimento desorganizador do governo; este movimento foi sufocado pelo
Sr. Capitão Guapindaia, comandante da força federal que à frente da mesma e
armado de metralhadoras, o dominou, arvorando-se com a fuga do Sr. João
Cordeiro, em prefeito. Substituiu o Sr. capitão Guapindaia, no comando da força
federal, o Sr. capitão Júlio Serpa, que por seu turno, se fez prefeito; recebi
o governo da Prefeitura deste militar, que me acolheu sem nenhuma solenidade,
nem mesmo do estilo, numa parcimônia da manifestação, que traia com clareza, o
seu dissabor em se ver despojado do cargo que não era seu, como não era do seu
colega antecessor.
Logo
que tomei posse, este Sr. capitão Júlio Serpa exigiu o meu endosso aos atos que
praticou na qualidade, que não tinha, de prefeito – e exigindo clamava em tom
de gabolice – “ o povo me adora”!; protelei o endosso, examinando os papéis que
eram de nomeação, substituições de cargos, de concessões, de favores; enquanto
protelava, em dias que se seguiram, o Sr. capitão Serpa andava a apregoar pelas ruas, em rodas de seus amigos e
conhecidos, que eu lhe havia de aprovar os atos, porque a força era ele e a ele
o povo adorava. Naturalmente, tratei de observar, de indagar, de sindicar dos
hábitos das autoridades e das suas relações públicas e particulares com a
população e concluí, e lá toda gente vê e sabe, como eu vi e sei, que a mais
desenfreada desordem reinava permanentemente entre os comandados e o comandante
da força federal; os soldados indisciplinados são comparsas dos magotes
políticos e tomam parte nas suas festas e são seus comensais, sendo tidos como
personalidades de muito valor.
Nem
se diga que os soldados figuram nessas festas e nesses banquetes apenas
decorativamente, não: um soldado aqui é amigo intimo e do particular carinho de
um político ali; outro soldado acolá é amigo intimo e companheiro assíduo de
outro político adiante; daí a indisciplina que o próprio comandante não
corrige, porque o político amigo particular
do soldado intervém, cumulando o comandante de agrados e de presentes
caros, de obséquios repetidos: e suborna pela bajulação. O Acre é o paraíso do
soldado.
Compreendendo
a situação aprovei os atos do Sr. capitão Serpa, contemporizando e procurando
com jeito restabelecer o princípio de autoridade. Neste trabalho obtive a
instauração de inquérito contra os soldados recalcitrantes na indisciplina e os
remeti presos para o comandante da região militar, em Manaus, o Sr. coronel
Rego Barros; aos soldados indisciplinados porém, este coronel não deu
corrigenda alguma, caso que ocorre no Alto Juruá. No dia 14 de julho do ano
próximo findo, o Sr. capitão Serpa, mancomunado com os Srs. Djalma Mendonça,
juiz substituto, Carlos Gomes Rebello Horto, promotor público; João Craveiro
Costa, solicitador, Borges de Aquino, solicitador, chefiando os chamados
revoltosos autonomistas, que são aquele pessoal, que conhecemos, excluindo o coronel
Mâncio Lima, que é homem de bem, tentou a minha deposição. O movimento,
felizmente, falhou, devido as precauções que tomei, por ter conhecimento do que
se tramava e pela coincidência da chegada do Sr. capitão José Menescal de
Vasconcellos, que, a meu pedido ao Sr. coronel Rego Barros, vinha substituir interinamente,
o Sr. capitão Serpa.
O
Sr. capitão José Menescal de Vasconcellos foi um militar sisudo, correto e
digno, mantendo sempre uma nobre linha de independência e prestigiando a minha autoridade de
prefeito.
Aqueles
elementos de subversão, entretanto, não desacoroçoou ante o insucesso do golpe
que iam dar com a chefia do Sr. capitão Serpa, e nos dias 7 e 8 de novembro do
ano próximo findo, tentaram, mais uma vez, a minha deposição; falho mais este
golpe, e falhou porque o Sr. capitão Menescal de Vasconcellos, comandante
interino da companhia da força federal,
e o Sr, João Júlio da Silva, comandante da policia do departamento, sufocaram,
com energia, o movimento.
Cooperou
do seu lado pelo malogro da pseudo revolução, a chegada do Sr. capitão Polydoro
Rodrigues Coelho, comandante efetivo da companhia da força federal e de seu imediato no comando, Sr. tenente Cândido
Thomé Rodrigues. Retirou-se, pois, o comandante interino, Sr. capitão Menescal
de Vasconcellos.
Gorado
o movimento, os seus cabecilhas, em 11 de novembro, três dias depois abandonou o
departamento, e os que ficaram, temendo o justo castigo aos seus atos,
impetraram ordem de ”habeas corpus” – dezoito pedidos – ao juiz de direito da
comarca, dr. Lymério Celso da Trindade, que é um íntegro magistrado.
O
Sr. capitão Polydoro Rodrigues Coelho, - continuou o Sr. major Pedro Avelino, -
de índole autoritária e violenta, logo após a sua posse no comando, aparentou
correção no cumprimento de seus deveres para com a prefeitura; à proporção,
porém, que passava o tempo, se foi ele a imiscuir, e conviver com os indivíduos
da amizade do Sr. capitão Serpa, e o seu companheiro de armas, Sr. tenente
Cândido Thomé Rodrigues, fez tamanha relação com o solicitador Borges de
Aquino, conhecido elemento subversivo da ordem, que passou mesmo a morar em
casa deste.
Deste
ponto em diante a situação mostrava outras faces: eu compreendia, eu estava
farto de compreender, que os tais autonomistas não passavam, nem passam de uns
embaçadores, que se aproveitavam de uma falsa compostura política regional para
explorar, à vontade, todos os meios de lucros, favorecendo simultaneamente, os
baixos instintos da patuléia dos aventureiros inferiores e à vaidade de alguns
seringueiros e a ignorância dos soldados de “pret” da força federal e o
espírito autoritário dos comandantes dessas praças. Todavia, agi como me foi
possível e como me aconselhava a consciência: semanas após minha chegada,
verificando a existência do Lyceu Affonso Penna, estabelecimento secundário,
mantido pela prefeitura e consumindo cento e quarenta contos por ano, fui
visitá-lo. Nessa visita inteirei-me de que o estabelecimento não possuía o
número de alunos suficiente que justificasse a sua existência, tanto que, para
esconder este grave fato, mantinham curso de primeiras letras.
Feita
a visita e cientificado do que sucedia, nomeei uma comissão dos Srs. Dr. José
Joaquim de Oliveira, Belizário de Sousa Junior, Antônio de Salles Ferreira, e
tenente Luiz Souto, todos altos funcionários da Prefeitura, a fim de
inspecionar o estabelecimento sob todos os aspectos e me apresentar o
relatório.
Ante
este relatório, que acusava a inutilidade do estabelecimento, suspendi a função
do mesmo, submetendo o meu ato ao governo federal, que o aprovou.
Originou-se
deste caso a campanha de ataques e de difamações à minha administração
promovida pelo solicitador Craveiro Costa, e outros professores do Lyceu, que
se viram privados da pensão do governo, que recebiam sob pretexto do exercício
do magistério, sendo estes cavalheiros membros da Associação Comercial de
Cruzeiro do Sul, fizeram desta uma das suas melhores armas contra mim. Foi uma
campanha tenaz, sistemática, aproveitando todos os precedentes da administração
da prefeitura com os meus antecessores, captando solidariedade da força federal
por meio de adulações, presentes ao comandante, aos soldados, campanha que
fazia a sua tecla mais alta, para efeitos de descrédito da conduta do
ex-prefeito Sr. coronel João Cordeiro, meu antecessor, que, como é sabido, dos
quatrocentos contos de réis da verba “material”, do exercício de 1910, apenas
aplicou ao departamento do Alto Juruá, cento e tantos contos, conforme consta
da escrituração arquivada na prefeitura.
Assim
correram os acontecimentos até o dia 2 de dezembro do ano próximo findo, quando
o Sr. capitão Polydoro Rodrigues Coelho, iniciou uma espécie de impertinência,
enviando, a qualquer propósito, ofícios em termos insólitos à minha pessoa na
qualidade de prefeito, até que ousou, finalmente, alegando a instauração de
inquérito, exigir que lhe mandasse apresentar o comandante da policia da
prefeitura, sob pena (isto ele fizera constar nos pontos de palestra, para que
me chegasse ao conhecimento), sob pena
do comandante comparecer à sua presença ainda que arrastado.
Era
demais, e como não desejasse eu entrar em luta, porquanto possuía só vinte
homens, ao passo que ele possuía oitenta, bem armados e municiados, alem das
metralhadores assestadas provocantemente
para o edifício da prefeitura, resolvi no dia 5 de dezembro enviar a
ele, Sr. capitão Polydoro Rodrigues Coelho, por intermédio do juiz de direito e
do Sr, coronel Félix Fleury, um ofício comunicando-lhe que me sentindo
desautorado, retirava-me do Cruzeiro do Sul, abandonando o cargo de prefeito do
departamento do Alto Juruá.
No
dia seguinte embarquei para Manaus, chegando a 21 de dezembro e de Manaus parti
a 18 de janeiro ultimo, chegando ontem no Rio de Janeiro: o Acre odeia e
repele o regímen prefeitural não de um ódio decorrente de uma serena convicção,
mas o ódio preparado, fomentado por uma sinistra soborte (talvez sorte) de tenebrosos
exploradores.