Conservação da memória
João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN e membro do INRG
Há uma preocupação entre os genealogistas em face de uma recomendação do presidente do Conselho Nacional de Justiça, o ministro César Peluso, conforme artigo de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo. Tudo por conta do seguinte trecho: Será preservada uma amostra estatística representativa do universo dos documentos e processos administrativos e dos autos judiciais findos destinados à eliminação.
Essa preocupação é válida porque todos nós, que fazemos pesquisas genealógicas, dependemos de documentos que estão nas Igrejas, nos cartórios, nos fóruns judiciais, nos institutos históricos, nos arquivos públicos e privados, e em muitos outros locais que guardam ainda registros do passado.
A preservação de documentos não está nas prioridades dos órgãos públicos deste país. É uma atividade incipiente, mesmo levando em conta os avanços tecnológicos, principalmente, os processos modernos de digitalizações e fotografias.
Alguns inventários, que foram transferidos dos cartórios para alguns Fóruns Judiciais, não estão sendo cuidados com o devido zelo. São amontoados em lugares impróprios e vão se destruindo naturalmente. Eles são necessários a reconstituição da História dos nossos municípios, estados e do próprio país. Para muitos, trata-se só de papéis velhos e, por isso, muitos já foram descartados.
Os mórmons, através das microfilmagens, conseguiram preservar muitos desses documentos de cartórios, de igrejas, e de outros locais e, recentemente, estão disponibilizando aos poucos na Internet. Não fui até Florânia pesquisar, nos livros da Igreja, os meus ascendentes lá do Seridó. Para exemplificar, foi lá no site dos mórmos que encontrei o seguinte registro, em um dos microfilmes: Aos dois de maio de mil novecentos e cinco batizei André, filho legítimo de Pacífico Clementino de Medeiros e Anna Olindina Bezerra Cavalcante, nasceu a vinte e um de abril do dito ano, seus padrinhos José Garcia da Cruz, e Maria Pereira do Nascimento; para constar fiz este assento que assino. Vigário João Borges de Salles. Essa Anna Olindina, que conheci por tia Nana, era irmão do meu bisavô Alexandre Garcia da Cruz.
No registro seguinte é batizado Torquato, filho de José Garcia da Cruz e Maria Pereira do Nascimento, e os padrinhos são Pacífico Clementino de Medeiros e Ana Olindina. Quem vê esses registros, pode observar que já estão bem deteriorados, e só é possível identificar alguns dados se já houver conhecimento de algumas informações anteriores.
Wandyr Soares de Araujo Villar que reeditou, em 2007, um livreto sobre a família Casa Grande, residente na cidade do Assú, de autoria de Antonio Soares de Macedo, escreveu no prefácio dessa edição: grande parte do acervo de Clara Soares foi fragmentada. Uma parte foi subtraída da família por pessoas, conhecidas, sob empréstimos, nunca devolvidos. Uma segunda parte foi igualmente subtraída por outros membros da família; eu mesmo tento recompô-la para juntar com o que me foi doado pelas minhas tias-avós e a terceira parte, a que foi doada para IHGRN é ocasionalmente encontrada em sebos, juntamente com outros artefatos roubados da instituição.
Outro exemplo que coloco vem desse livreto, de 1893, de grande importância para a história do Rio Grande do Norte. Veja o que escreveu seu autor, Antonio Soares de Macedo, no intuito de preservar a grata memória dos seus ascendentes, extraído de um caderno de lembranças do seus 4º avô.
Lembrança que deixo para aqueles, que de mim descenderem, saberem donde vim, porque para onde vou só a Deus pertence. Papary, 24 de dezembro de 1710.
Eu, Manoel Lopes de Macêdo, filho legítimo do capitão de mar e guerra, Manoel Lopes de Macêdo e D. Adelaide Cabral de Macêdo, nasci a 24 de dezembro de 1670; foram meus padrinhos o Dr. Antonio Freire de Amorim e sua mulher D. Bárbara Freire de Amorim, meus ilustres sogros. Embarquei na cidade do Porto em 12 de outubro de 1706 com minha mulher, D. Bárbara Freire de Amorim, oito filhas, a saber: Joanna, Bárbara, Delfina, Maria, Antonia, Josefa, Plácida e Adelaide, e quatro criados, com destino ao Maranhão; mas, tendo minha mulher dado à luz nos mares, fui forçado a desembarcar na capitania do Rio Grande do Norte, no dia 13 de dezembro do mesmo ano. No dia 6 de janeiro de 1707, na freguesia de N. S. da Apresentação foi batizada minha filha, que nasceu nos mares, a qual tomou o nome de Suzana. Foram seus padrinhos o coronel Balthazar da Rocha Bezerra e minha filha mais velha. No dia 20 do dito mês e ano segui pra esta aldeia e cheguei no dia 22, onde me acho com todas as pessoas de minha família, que existem até hoje, graça a Deus. Papary, 23 de dezembro de 1710. Manoel Lopes de Macêdo.
Procurei no livro de batismos da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação o registro de Suzana, mas não encontrei. Esse livro foi salvo, e se encontra, hoje, no Instituto Histórico Pernambucano.
Na sequência, Antonio Soares de Macedo cuida da descendência de sua 3ª avó, Dona Joanna Martins, primeira filha do coronel Manoel Lopes de Macedo. E as outras sete filhas que destino tiveram? Afinal, as preservações são mais cuidadas pelos indivíduos do que pelas instituições.
E você está escrevendo alguma coisa sobre seus ascendentes, para preservar para os seus descendentes?
Vem aí “Notícias genealógicas do Rio Grande do Norte”, editado pela Edufrn, reunindo mais de uma centena de artigos, que escrevi para este jornal.