segunda-feira, 25 de julho de 2011

Joris Garstman e o assassinato de Jacob Rabbi (III)

Joris Garstman e o assassinato de Jacob Rabbi (III)

O inquérito sobre o assassinato de Jacob Rabbi, se por um lado traz muitos detalhes fornecidos pelos depoentes, por outro não é esclarecedor do motivo real daquela execução. Olavo de Medeiros no seu livro, No rastro dos flamengos, sintetiza com muita propriedade e comentários todos os depoimentos. Pena que entre esses depoimentos não existam o de Joris Garstman e o de Jacob (ou Jacques) de Bolan, principais acusados. Vejamos algumas passagens de alguns desses depoimentos.
Vamos começar com Roulox Baro, que segundo Morisot, foi enviado, quando criança, ao Brasil, na frota das Índias Ocidentais, que partiu da Holanda, em 1617. Substituiu Rabbi junto aos tapuias, como ele conta em seu Relação da viagem aos pais dos tapuias.Roulox Baro era um dos participantes do jantar na casa de Dirck Muller, no dia do assassinato, 4 de abril de 1646 (e não 5 como relata Nieuhof), e,por isso, foi chamado a depor.
No começo do seu depoimento disse que: pouco antes de ter vindo do Recife aqui (Rio Grande), com o Sr. Pieter Bas, esteve em casa do tenente-coronel Garstman, em Mauristsstad (Cidade Maurícia). No decurso de uma conversação que teve com o primeiro, a propósito dos Tapuios e de Jacob Rabbi, o dito Pieter Bas contou-lhe, entre outras coisas, que Jacob Rabbi, encarregado de dar algumas mercadorias, à guiza de presente, aos Tapuias, por parte da Nobre Companhia, as tinha desviado em proveito próprio. O tenente-coronel, que nesta noite estava um pouco ébrio, respondeu que o mundo nada perderia se se desembaraçassem de semelhante canalha.
Disse mais Baro que Joris Garstman perguntou a ele se queria disso incumbir-se. Baro respondeu que se o tenente-coronel lhe desse ordem formal, e devendo esta ordem emanar dos senhores do Alto Conselho Secreto, que neste caso ele não hesitaria em obedecer e executar a ordem de Garstman. Mas, este se absteve de dar esta ordem, e como Baro não ignorava que Garstman tinha ódio velho a Jacob Rabbi, o que todo o mundo sabe, e que, obedecendo ao incitamento, poria em risco a segurança pública em toda a capitania, o depoente teve escrúpulo em realizar o atentado, e igualmente se absteve, pela mesma razão, de informar a Jacob Rabbbi.
Contou Baro que ouviu os dois tiros que derrubaram Jacob Rabbi. Ele tinha saído da casa de Dirck Muller para procurar o seu cavalo. Entretanto, encontrou com Jacob Bolan acompanhado de três ou quatro soldados, dizendo para que não ficasse ninguém por lá, por ordem de Garstman, e assim foi arrastado por Bolan até a casa do tenente-coronel, sem deixar tempo de ir buscar o seu cavalo, e, por isso, chegou a pé até a casa de Garstman.
O dono da casa, Dirck Muller, contou que o tenente-coronel Garstman e vários outros amigos dele, foram vê-lo em sua casa. Quando eles já estavam ceando, chegou Jacob Rabbi, que tendo sido convidado várias vezes pelo tenente-coronel a ir ter com ele, fora à sua casa (Gartsman estava hospedado no Forte Keulen), e tendo sabido ali que este partira a cavalo para ir à casa dele, Muller, viera procurá-lo ali a fim de se informar do objeto de seu convite.O tenente-coronel lhe dera as boas vindas, e o convidara a sentar-se e a tomar parte na ceia.
Conta mais Dirck que quando soube da morte de Rabbi, saiu, acompanhado dos convivas e guiado pelo negro que o avisou, até onde estava o cadáver, deformado por vários golpes de espada no rosto, na cabeça, e no braço direito. Disse mais que uma bala penetrara–lhe do lado esquerdo do corpo e outra varara-lhe o lado direito abaixo das costelas falsas. Pela manhã foi providenciado o enterro na presença de Willem Beckx e de alguns homens e mulheres.
Esse Willem Becx, morador na Capitania do Rio Grande, declarou no seu depoimento que sendo ele, na época do que se trata, secretário do tenente-coronel Garstman, assistiu há alguns meses, na casa deste último, aos fatos seguinte: o dito tenente-coronel ali ordenara a Willem Jansen, ex-alferes das tropas desta Capitania, que cometesse um atentando contra a vida de Jacob Rabbi.
O depoente Johannes Honck, Bailio (magistrado provincial) desta Capitania do Rio Grande, que também esteve no jantar na casa de Dirck Muller, conta em seu depoimento que não soubera da presença de Jacob Rabbi, pois fora dormir por duas ou três horas, antes de voltar para casa. Ouvira os tiros, mas foi informado por Bolan que o inimigo estava ali emboscado. Em um trecho do seu depoimento relata que no dia oito de abril soubera que o tenente-coronel tinha chegado ao forte, de volta da casa de João Lostau (este tinha sido assassinado em 1645).
Quem comandava o forte Keulen, nessa época, era Johannes Blaenbeeck, capitão de uma companhia de infantaria. Ele, no seu depoimento, contou que somente soube a notícia do assassinato de Jacob Rabbi, no dia seguinte, pela boca do bailio Johannes Honck, que veio pedir-lhe o auxílio de alguns soldados, a fim de ir, à casa da viúva de Jacob Rabbi (a índia Domingas), fazer um inquérito sobre os bens do defunto. Contou mais que as arcas de Jacob Rabbi, que estavam no forte Keulen foram abertas, por ordem de Garstman, que determinou a ele fazer a partilha entre os presentes, tendo o tenente-coronel ficado com duas libras de prata.
O secretário do tenente-coronel Garstman, Abrahão de Rouff, que também esteve no jantar na casa de Dirck Muller, declarou, entre outras coisas, que encontrara Jacques (Jacob) Bolan, no dia que partira para Recife, e que tinha ouvido o mesmo vangloriar-se de haver dado em Jacob Rabbi alguns golpes de sabre em pleno rosto e mostrou ainda um anel que dizia ter tirado do dedo da vítima.
O que mais estranho nesses depoimentos e relatos, aqui expostos nesses três artigos, é que não há qualquer citação, dando conta que João Lostau de Navarro fosse o sogro de Joris Garstman, e tampouco é citado o nome do sogro de Joris Garstman que foi assassinado por Rabbi.

Joris Garstman e o assassinato de Jacob Rabbi (II)

Joris Garstman e o assassinato de Jacob Rabbi (II)

Câmara Cascudo em artigo no O livro das Velhas Figuras, volume 3, diz ter conhecido, pessoalmente,  Candido Freire de Alustau Navarro, filho do Professor Manoel Laurentino Freire de Alustau, neto de Antonio Freire de Amorim Navarro, bisneto de Manoel Pereira da Costa Guimarães, trineto do velho João Lostau de Navarro. Em outro artigo sobre Jacob Rabbi, nesse mesmo livro, escreveu que no massacre em Cunhaú, queimaram o engenho e mataram o sogro do Coronel Garstman, talvez gerente da propriedade, que tinha como  um dos sócios o próprio Garstman. Diferentemente de Hélio Galvão, Cascudo não pensou em Garstman como genro de João Lostau. Hélio escreveu que Beatriz Lostau Casa Maior era filha do velho Lostau e esposa de Joris Garstman.
Joan Nieuhof, no livro já citado anteriormente, dá conta da ordem de prisão para várias pessoas suspeitas de conivência na conspiração contra os holandeses, citando, da Capitania do Rio Grande, tão somente João Lostau de Navarro, no ano de 1645, sem destacar qualquer relação dele com Garstman.
Pierre Moreau, dando sequencia às informações sobre o assassinato de Jacob Rabbi, escreveu: logo que Janduí e todos os seus principais amigos souberam desta morte, solicitaram a entrega de Joris Garstman para que eles próprios o justiçassem, por ter matado um de seus chefes; o conhecimento do fato, caso Garstman fosse culpado, lhes pertencia, de acordo com o privilégio que lhes tinha sido outorgado pelos Estados Gerais e a Companhia das Índias, de somente eles serem juízes dos criminosos de sua nação. Jacob Rabbi não podia ser acusado de coisa alguma e jamais traíra o país. Quanto ao assassinato do sogro de Garstman, este é que dera o motivo, como todos sabiam bem; quanto aos seus roubos e furtos, se ele tinha tomado gado, era somente para viver, pois não era razoável que ele e sua gente morressem de fome quando lhes era recusado comida. Se tomara instrumentos de ferro, era para servir-se deles no campo, a serviço dos próprios holandeses, aos quais os tapuias jamais tinham pedido soldo, e pelos quais muitas vezes se tinham exposto. Quanto ao ouro e à prata, nada tinham a fazer deles e teriam mandado entregá-los se lhe tivessem falado nisso. Em todo caso, se Jacob Rabbi tivesse de ser castigado, devia-se ter seguido o costume dos holandeses; em vez disso tinham-no assassinado, quando poderiam facilmente mandar prendê-lo. Gostavam dele mais que cem outros; apesar disso agradava-lhes ser sempre amigos dos holandeses, mas faziam questão de obter Garstman para matá-lo.
Os senhores lhes responderam que Garstman era oficial superior e não tinham o poder de entregá-lo, nem mesmo condená-lo à morte soberanamente, a não ser por crime de Estado; do seu julgamento havia apelação para os Dezenove, sendo preciso ouvir Garstman antes de condená-lo; mas podiam ficar certos de que se faria boa justiça àqueles que tinham matado Jacob Rabbi, fato que lhes trouxera muito descontentamento. E, para mostrar-lhes que manteriam sua palavra, mandaram vir Garstman, que foi encarcerado em sua presença, e os senhores do Conselho disseram aos Políticos que desejavam participar do conhecimento dessa questão. Os delegados dos tapuias, no entanto, voltaram descontentes para os seus, por lhes ter sido recusado Garstman, e disseram, ao partir, que os holandeses se arrependeriam.
Segundo ainda Pierre Moreau, no seu relato, Garstman foi depois interrogado, negou ter matado ou mandado matar Jacob Rabbi, acusou dois soldados da sua companhia, que tinham sido os instrumentos; estes foram tão apertados que confessaram o crime, dizendo ter sido mandados por Jacques Boulan, seu alferes. Boulan foi igualmente preso, e confessou que cumprira ordem de Garstman, seu capitão e general; este, acareado, negou tudo redondamente e disse a Boulan que ele era um impostor. Os dois soldados, mediante a confissão de Boulan, que os tinha eximido de culpa, foram soltos; os outros dois continuaram presos. Enquanto os Juízes debatiam esta delicada questão esperando alguma prova certa de qual desses dois devia ser acreditado, Garstman dizia que um oficial poderia assim imputar ao seu general a autoria de seus crimes; Boulan, ao contrario, alegava que um general, abusando de sua autoridade, faria depender dele a vida e a morte de seu oficial, empregando-o em vingar o seu ódio sob algum pretexto especioso de guerra e quitando-se depois pela negativa; se tivesse recusado a cumprir ordem seria demitido e proclamado poltrão; de outro modo seria preciso introduzir tabeliões e testemunhas para lavrar as atas das ordens, mandados secretos e outros que se dão num exército. Afinal, foi descoberto que Garstman e Boulan se tinham mancomunado para mandar matar Jacob Rabbi, e tinham divido a presa. Confiscaram-se todos os seus bens e soldos e eles foram demitidos de seus cargos, banidos do Brasil e reenviados à Holanda como schelmes, isto é, como pessoas indignas.
O Sebo Vermelho, de Abimael Silva, publicou Um interprete dos Tapuios, de Alfredo Carvalho, que contém o inquérito sobre o assassinato de Jacob Rabbi.
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