João Felipe da
Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN,
membro do IHGRN e do INRG
Desde pequeno que a expressão
“mata e queima” povoa a minha mente, sem que eu tivesse maiores detalhes do que
ocorreu no passado, na minha família. Ademais, fatos ocorridos, em anos mais
distantes, vão se tornando lendas com todos os acréscimos e variações que a
mente é capaz de produzir.
Encontro, agora, em velhos
jornais, o fio da meada. No “Jornal da Tarde”, de 9 de maio de 1877, havia um
elogio a ação do Chefe de Polícia, Ernesto Chaves, exemplificado pela
proposição da demissão de João Porfírio do Amaral, subdelegado do distrito de
Flores, termo de Acari, em virtude dessa autoridade está envolvida no
assassinato de José de Souza Leão, aos 5 de janeiro do ano de 1877. Segundo o
jornal, João Porfírio foi pronunciado no art. 192 do código penal, como
mandante, e Francisco Nunes da Silva e Antonio da Costa como mandatários.
Nos jornais do Rio de Janeiro,
daquele ano, consta, nas informações sobre José Leão, que esse indivíduo nutria
indisposição com pessoas da família Toscano ali residente, por causa de uma
questão de terras.
É fato que João Porfírio foi
casado na família Toscano, como podemos ver do registro a seguir: Aos quatro de
fevereiro de 1862, pelas oito horas da manhã no Sítio Quixodé, desta Freguesia
de Acari, uni em matrimônio, e dei as bênçãos nupciais servatis servandis, sem
impedimento algum, obtendo dispensa de parentesco, meus paroquianos João
Porfírio do Amaral, e Maria Joaquina de Jesus, filhos legítimos, ele de
Alexandre Garcia do Amaral e Maria Angélica do Rosário, e ela de Joaquim
Toscano de Medeiros, e Antonia Alexandrina de Jesus; foram testemunhas Joaquim
Thomaz de Aquino e Joaquim Urbano de Araújo. Vigário Thomaz Pereira de Araújo.
Posteriormente, encontro, no
jornal “Gazeta do Natal”, de 16 de fevereiro de 1889, uma notícia relacionada a
João Porfírio, que transcrevo para cá.
No distrito de Flores, termo da
Vila de Acari, na noite de 31 de janeiro para amanhecer do dia 1º do corrente,
após o estampido de forte descarga elétrica, por entre os clarões dos
relâmpagos, caiu um raio sobre a casa de um tal João Porfírio, ali morador,
matando instantaneamente as duas filhas deste, já moças.
Esta lamentável ocorrência nos
foi transmitida em carta de 4 de abril deste mês, na qual se nos faz as seguintes reflexões:
Realmente, a morte das duas
moças, filha de João Porfírio, fulminadas por uma chama elétrica no meio de uma
trovoada animadora, com prenuncio de um bom inverno, tem produzido sérias
cogitações no espírito daqueles que acreditam no “castigo dos pais até a sétima
geração”.
João Porfírio assassinou José
Leão cujo corpo ele, com outros corréus, lançou às chamas de uma fogueira
quando ainda estava vivo.
Esse fato assustador, medonho e
de descomunal ferocidade, fez espécie em toda província e acha-se registrada
nos relatórios e importantes peças oficiais desde o tempo do ex-presidente
Satyro Dias.
João Porfírio e seus comparsas
foram processados naquele tempo, mas hoje se acham livres de pena e culpa pela
escandalosa proteção que lhes foi dispensada no Tribunal de Júri do Acari,
figurando como protagonista de todo este cortejo de mais revoltante moralidade
o protetor ostensivo dos réus denominados queima gente, o coronel José Bezerra
compadre e intimo de João Porfírio!
O Dr. Juiz de Direito, Francisco
Clementino Chaves, sabe bem dessa história, e o promotor interino, o deputado
Santa Rosa (Cipriano), escolhido a dedo para o gloriosos triunfo de seu irmão José
Bezerra (da Aba da Serra), também pode referi-lo com a isenção e pureza do seu
caráter.
Passaram-se os tempos, a
impunidade foi exultada pelos “homens sérios” desta terra, até que agora, diz o
povo, aparece o castigo do céu sobre inocentes criaturas que pagaram com usura
as culpas de ferozes assassinos, altamente protegidos. A notícia do jornal
“Gazeta do Natal” termina com a frase: São insondáveis os decretos de Deus.
Três irmãs de João Porfírio foram
casadas com três filhos de meus tetravós, Thomaz Lourenço da Cruz e de Maria
Rosa do Nascimento: Maria Alexandrina de Jesus (2º casamento) com Ignácio
Rodrigues da Cruz (2º casamento), gerando minha bisavó, Rita Maria da Conceição;
Ritta Joaquina de Medeiros com Joaquim Theodoro da Cruz, gerando o tenente
Laurentino Theodoro da Cruz, que dá nome a um município do Rio Grande do Norte;
e Ignácia Maria da Conceição com Manoel Rodrigues da Cruz, gerando meu bisavô
Alexandre Garcia da Cruz. Um filho dos meus bisavós, Alexandre e Ritta,
listados acima, casou com uma neta de João Porfírio, como podemos ver do
registro a seguir.
Aos dez dias do mês de outubro de
1923, no Sítio Trapiá, desta Freguesia, depois das denunciações canônicas, e
sem aparecer impedimento algum, nas presenças das testemunhas Thomaz Garcia da
Cruz, e João Porfírio Netto, assisti ao recebimento matrimonial de meus
paroquianos Celso Mariano da Cruz, com Corina Clotildes do Amaral, filhos
legítimos, ele de Alexandre Garcia da Cruz e Ritta Maria da Conceição, e ela de
João Porfírio do Amaral (Filho)), já falecido, e Maria Purificação da Senhora:
os nubentes foram dispensados do impedimento do 3º grau igual e simples de consanguinidade; o nubente é natural desta Freguesia, e a nubente é natural de
Flores, e ambos residentes nesta Freguesia. O vigário Ulisses Maranhão.
Zé Leão virou símbolo de
adoração, e até ganhou uma capela em Florânia. Até a data do seu passamento foi
alterada. Nos vários artigos que encontramos na internet, é dado seu
assassinato, como se fosse 20 de janeiro, dia de São Sebastião.
P. S.
Hoje, dia 10 de agosto de 2019, encontrei os registros das crianças que foram fulminadas pelo raio. Eram Rita, de 13 anos, e Teresa, de 14 anos. Como são idênticos, publico somente o de Teresa.
Aos 28 dias do mês de fevereiro do ano de 1889, neste primeiro Distrito de Paz da Paróquia de Nossa Senhora da Guia, Município de Acari, Povoado do Rio Grande do Norte, compareceu em meu cartório João Toscano de Medeiros, sendo me apresentado a certidão, passada pelo escrivão do Terceiro Distrito de Flores, dele extraí a declaração que abaixo transcrevo - Aos 31 do mês de janeiro do dito ano, no Povoado de Flores, deste Termo, faleceu Rita, fulminada de um raio, na idade de 13 anos, filha legítima de João Porfírio do Amaral e de Maria Joaquina de Jesus. e no mesmo dia 31 de janeiro foi sepultada no Cemitério da Capela da Povoação. Do que para constar lavrei este termo que assino com o declarante. Eu Francisco Antônio Cordeiro Ferreira Lima , escrivão de Paz o escrevi.
P. S.
Hoje, dia 10 de agosto de 2019, encontrei os registros das crianças que foram fulminadas pelo raio. Eram Rita, de 13 anos, e Teresa, de 14 anos. Como são idênticos, publico somente o de Teresa.
Aos 28 dias do mês de fevereiro do ano de 1889, neste primeiro Distrito de Paz da Paróquia de Nossa Senhora da Guia, Município de Acari, Povoado do Rio Grande do Norte, compareceu em meu cartório João Toscano de Medeiros, sendo me apresentado a certidão, passada pelo escrivão do Terceiro Distrito de Flores, dele extraí a declaração que abaixo transcrevo - Aos 31 do mês de janeiro do dito ano, no Povoado de Flores, deste Termo, faleceu Rita, fulminada de um raio, na idade de 13 anos, filha legítima de João Porfírio do Amaral e de Maria Joaquina de Jesus. e no mesmo dia 31 de janeiro foi sepultada no Cemitério da Capela da Povoação. Do que para constar lavrei este termo que assino com o declarante. Eu Francisco Antônio Cordeiro Ferreira Lima , escrivão de Paz o escrevi.
Capela de Zé Leão |