João Felipe da
Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN,
membro do IHGRN e do INRG
Diversos livros escritos sobre o período do domínio
holandês, no nordeste brasileiro, são, quase que totalmente, cópias de outros,
escritos anteriormente. Alguns acréscimos, muitas vezes, não passam de
invencionices. Isso deve se repetir, com frequência, em outros assuntos
históricos. Há, entre esses escritores, alguns que nem viveram por aqui, mas
que resolveram escrever, pegando carona em outros autores.
Quando se pesquisa algumas pessoas, em jornais antigos,
descobrimos que, dependendo do jornal, seu personagem era um santo ou um
bandido, da mesma forma que acontece hoje.
Muitos documentos da nossa história continuam submersos em
arquivos de difícil acesso. O governo brasileiro deveria, urgentemente,
patrocinar a digitalização e divulgação dos mesmos, para que mais pessoas
pudessem ajudar a reescrever a nossa história, acabando com equívocos que se
espalham sem nenhuma crítica.
As universidades brasileiras deveriam se dedicar, com mais
afinco, aos documentos da nossa história, a fim de trazer, para o grande
público, a verdade. Com a internet muito se pode fazer pela educação e, com
isso, sair desses índices ridículos que os organismos internacionais nos
atribuem. Infelizmente, nossos pesquisadores são muito individualistas.
Muitas informações sobre nossos índios e negros são
distorcidas e mereceriam um estudo mais aprofundado, pois eles são parte
integrante da nossa identidade. A naturalidade de Dom Antonio Felipe Camarão,
por exemplo, é disputadíssima, ainda, por vários estados do Nordeste. O
batismo, em 1612, de Antonio e Clara, me parece, é o marco da confusão. Por que
não há um esforço conjunto para buscar todos os documentos sobre ele e seus
parentes.
Dona Clara Camarão, mesmo com poucas informações sobre sua
vida e sem um maior aprofundamento, está perto de se tornar uma heroína
brasileira. A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, da Câmara dos
Deputados aprovou o projeto de lei que determina a inscrição do nome da índia
Clara Camarão no Livro de Heróis da Pátria. O que se sabe de verdade sobre
ela? Que estudos a Câmara Federal
encomendou sobre a esposa de Dom Antonio?
Um dos livros mais citados pelos pesquisadores sobre o
período holandês, no Brasil, é “O Valeroso Lucideno” de Frei Manuel Calado, que
escreveu no prólogo ao leitor: Persuadido (pio, e benigno leitor) de muitas
importunações de amigos, e obrigado do amor da Pátria, e levado do primor, e
timbre do nome Português e, sobretudo por acudir por a honra, e infalível
palavra, e nome de S. Majestade, e dar alento aos moradores de Pernambuco, para
levarem com suavidade a carga dos trabalhos, e o peso da guerra, na qual andam
em roda viva de dia, e de noite, por libertarem a terra das mãos dos
Holandeses: tomei a pena na mão para fazer este tratado, como testemunha de
vista, pois em companhia dos tristes e afligidos moradores daquela Província,
como amigo, e fiel companheiro, me achei presente, com a espada em uma mão, e
com a língua ocupada na propagação, e defensão da Fé Católica. E suposto que
esta empresa da liberdade da Pátria, em defensão da Fé de Cristo, pedia outro
Escritor mais defecado, e mais douto, pode ser que qualquer outro que seja o
escreva com menos evidência, e verdade, pois vai muita diferença entre o que
escreve como testemunha de vista, e o de ouvida.
Em todo o livro de Frei Manuel Calado, testemunha viva daquelas
lutas, só há uma citação sobre Clara: partiu também Dom Antonio Felipe Camarão,
que já então tinha o hábito de Cristo, e S. Majestade lhe tinha dado Dom, e o
tinha feito Fidalgo por ser grande valor, e fidelidade, e lhe havia dado título
de Governador, e Capitão General de todos os índios do Estado do Brasil; partiu,
pois o Camarão e não somente levou todos os índios de sua esquadra, senão que
também levou em um cavalo com uma lança na mão, a sua mulher Dona Clara. Frei
Manuel, em nenhum momento descreve qualquer batalha da qual ela tivesse participado,
somente que partiu com seu marido, com uma lança na mão.
Outro livro famoso é “Castrioto Lusitano” de Frei Raphael de
Jesus, que nem por aqui andou. Diz ele, sobre o fato narrado por Frei Manuel
Calado: Dom Antonio Phelipe Camarão (título e posto que neste mesmo tempo, lhe
deu El Rey, com o hábito em prêmio de seus serviços, tamanhos agora, e tanto
maiores depois que defluiram a mercê, e impossibilitam a paga.). A seu lado
saiu, também sua mulher Dona Clara montada em um cavalo, e tão clara nesta gentileza,
que deixou escurecida a memória das Zenóbias e Semíramis com que tanto se
ilustrou a antiguidade. Não ficou atrás dos que mais se adiantaram, o Governador
dos Crioulos Henrique Dias, porque tão valente, como zeloso, foi dos primeiros
que saíram a investir o contrário com o terço, sempre preto na sorte e da
admiração, e inveja sempre alvo.
Diogo Lopes Santiago, outra testemunha da época, escreveu
algo a mais sobre a participação de D. Clara nas diversas batalhas? E os
cronistas do lado dos holandeses deram notícias da esposa de Dom Antonio?
A vida de D. Clara, na época dos holandeses no Brasil, já
está misturada com as vidas das heroínas de Tejucupapo. Nesta, figuram dois
nomes, entre as quatro mais citadas: Maria Camarão e Clara, e, talvez, por isso
a confusão. A cada momento aparece mais uma batalha da qual D. Clara teria
participado. Nos antigos jornais da Hemeroteca Nacional, o nome de Clara é
várias vezes citado, já por muitos anos.
A naturalidade de D. Clara, também, já é disputada por
Ceará, Rio Grande do Norte e Alagoas. Porto Calvo foi um lugar para onde se
dirigiu Dom Antonio Felipe Camarão, levando a esposa Clara.
Acho que a Câmara Federal deveria ser mais cuidadosa nas
suas concessões.