Oligarchia, anarchia, dictadura
Conferencia de J. da Penha, realizada no Pavilhão Internacional - RJ
E se maior não é o pasmo que nos alcança, é que muito grande, por via de regra, é o desconhecimento aqui da vida estadual. Alberto Maranhão, por exemplo, já não encobre suas trapaças administrativas. Tem o desassombro dos temperamentos improbidosos. Trapaceia às escancaras.
Outrora, para comprar, depois de governador, por conta do Estado, a casa em que residia, simulou a venda a um dos seus testas de ferro e só alguns meses depois fechado era o negócio, a seu contento.
(Vantajoso é bem de compreender, para todo o mundo, menos para ele Alberto inconcebivelmente honesto nas suas transações, apostolicamente desambicioso em toda a sua vida, trombeteiam os seus assalariados de imprensa).
Hoje, não. Alforriou-se de vez desses constrangimentos. Negocia às claras: trafica ao meio dia em ponto, alardeia o seu desassombro governamental e gaba-se de não ser tolo...
Isso quanto a negócios bem se compreende.
O ano passado contraiu na Europa um empréstimo de cinco mil contos ao tipo de 69, noticiou o Jornal do Comércio daqui.
Os juros foram os mais exorbitantes do mundo. As gorjetas para os intermediários foram elevadíssimas e o prazo de cinquenta anos. Em suma: o Estado venturoso do Rio Grande do Norte recebeu três mil e tantos contos de réis, vai pagar fatalmente perto de dez mil e sobrecarregou o seu orçamento, que era de mil e duzentos contos, com os pesadíssimos ônus desse empréstimo tão malbaratado.
Alberto reemprestou-o quase todo aos seus queridos parentes e com eles então contratou uns tantos melhoramentos duvidosos para o Natal dos Pobres, relativamente, alguns desses felizardos ofereceram como garantia, o seu parentesco rendoso e a indiferença do povo por esses arranjos ilícitos.
Não contente de tamanhas desenvolturas, Alberto comprou a si próprio e aos seus cunhados, por cem vezes mais do que devia, terrenos tão valorizados que até nunca tiveram dono. E impossível ser mais impudente de que esse governador traficante.
O pretexto de escolas agrícolas e outros disfarces com que esse despejado governador enxovalha a sua função e ludibria o povo complacente, foi o que veio a lume.
E esse mesmo povo, talvez porque de tempos remotíssimos o venham flagelando os vendavais das secas dolorosas em que se lhes depaupera as crenças e as energias, ou porque de fato, pelas suas qualidades ingênuas mereça a canga deste opróbrio — esse povo suporta sem indícios palpitantes do desagravo, a que tem direito, a ignomínia de tanto despudor, o cativeiro desmoralizante de usurpadores tão acanalhados.
O palácio, até pouco tempo, era uma como feira política. Em vez das autoridades, dos funcionários, dos amigos, Alberto só congregava em torno de seu balcão, os agentes de compras e os corretores seus associados. Era, como bem lhe chamou alguém, se a profecia não falha, o último representante político da cigana de Nazareth.
Dos Machados, essa outra superfetação que afeia, infecciona e degrada os órgãos essenciais da Republica na Paraíba do Norte, eu não quero tirar o gosto de escapela-los com sua mestria ao dr. Coelho Lisboa.
Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Espírito Santo, Goiás e Piauí, rastejam todos pelo mesmo nível de decadência, maculando-se com a tisna das mesmas imoralidades, atascando-se no lodo profundo das mesmas corrupções.
As diferenças locais não invalidam esta sentença, nem prevalecem para atenuar-lhe o merecido rigor. Os exames em Maceió, não envergonhariam os de Natal, por exemplo.
Por toda parte a mesma desfaçatez na desonestidade impunida, a mesma artificialidade na política exploradora, a mesma prevaricação na magistratura das oligarquias. O mesmo desbragamento no ataque aos oposicionistas inermes, os mesmos congressos de nulos e de servis e para tributar o povo, sem direitos, sem liberdades, céptico e de esperanças amortalhadas, se o honrado concidadão que hoje governa a Republica, imitasse — o que não ha de suceder — os seus antecessores estigmatizados, carcomidos pela execração.
Porque o sr. Bulhões, ou porque os seus companheiros quase todos sem a consciência do que deva ser política republicana, estômagos incontentáveis, monarquistas descrentes, uns discípulos de Verres, outros de Barras, — a obra prima da corrupção, como lhe chamou Bonaparte, hão de perenizar-se nos galarins de um poder, que não é somente ilegítimo, senão também nefasto ao princípio da ordem e as necessidades do progresso?
As oligarquias devem morrer. E hão de morrer, meus concidadãos. Não falta muito. Conservá-las, seria o mais inepto, sobre ser o mais perigoso do todos os nossos crimes.
E ao que se vê, nem será possível a ninguém, por mais que envide todas as suas forças, ampará-las muitos anos, ou perpetuá-las na história...
Não se pereniza nas sociedades senão o que é natural e se ajusta aos interesses comuns, seja como tendência, ou seja como produto do espírito da coletividade em progresso, em busca do seu bem estar, guiando para a verdade e a justiça.
Não há, nem houve jamais razão para desesperar-nos das forças limitativas do tempo, nem das energias recuperadas da Federação Brasileira, mutilada, agora nos seus direitos, cerceada na sua influência. onerada nas suas dívidas, abalada nos seus destinos, apoucada na sua reputação enquanto frondescer a árvore maldita, que agasalha a descendência dos falsificadores da Constituição de 24 Fevereiro.
Para desarraigá-lo do solo constitucionalizando a Republica, abatida intercadentemente, como todas as suas irmãs da América do Sul, por delírios de indisciplina e alucinação de revoltas, há de surgir, na ocasião mais propícia, um milagroso poder, seja qual for. E esse poder que todos pressentimos sem desalentos que nos desviem ou sofreguidões, que nos decepcionem, ou há de ser a força centrípeta do Catete, a honestidade perseverante do Chefe do Executivo ou o braço vingador e irresistível da própria multidão. E que sempre esta foi capaz de resgatar pelo heroísmo, os erros da pusilanimidade, os excessos da sua condescendência, verdade é que ninguém ignora.
Das oligarquias para a anarquia não levamos nós dilatados séculos de ânsias, de dúvidas, nem de aviltamentos; ao contrário, já estamos na segunda; esperamos pouco para vencer o caminho.
J. da Penha (Jornal do Ceará. Ano VIII. Nº 1382. 07.08.1911)
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