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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Oligarquia, anarquia, ditadura

Recebi de Francisco Augusto, cópia de uma Conferência de J. da Penha. Pela referência, que ele me mandou, consegui o original do Jornal do Ceará, digitalizado através do Projeto Resgate da Memória Hemorográfica Brasileira. Fiz uma transcrição que posto neste blog, pela importância do documento.

Oligarchia, anarchia, dictadura
Conferencia  de  J.  da  Penha,  realizada  no  Pavilhão Internacional - RJ

E  se  maior  não  é o  pasmo  que nos  alcança,  é  que  muito  grande,  por via  de  regra,  é  o  desconhecimento aqui  da  vida  estadual.  Alberto  Maranhão, por exemplo, já  não  encobre suas  trapaças  administrativas.  Tem  o desassombro  dos  temperamentos  improbidosos.  Trapaceia  às  escancaras.
Outrora,  para  comprar,  depois  de governador,  por  conta  do  Estado, a casa  em que residia,  simulou  a  venda a  um  dos  seus  testas  de  ferro  e só alguns  meses  depois  fechado  era  o negócio,  a  seu  contento.
(Vantajoso é bem  de compreender, para todo  o  mundo,  menos  para ele  Alberto  inconcebivelmente  honesto  nas suas  transações,  apostolicamente  desambicioso  em  toda  a  sua vida,  trombeteiam  os  seus  assalariados  de  imprensa).
Hoje,  não.  Alforriou-se de  vez  desses constrangimentos.  Negocia  às claras:  trafica  ao  meio  dia  em  ponto,  alardeia  o  seu  desassombro governamental  e  gaba-se  de  não  ser tolo...
Isso  quanto  a  negócios  bem  se compreende.
O  ano  passado  contraiu  na  Europa  um  empréstimo  de  cinco  mil contos  ao  tipo  de  69,  noticiou  o Jornal  do  Comércio  daqui.
Os juros foram  os  mais  exorbitantes do  mundo.  As  gorjetas  para os  intermediários  foram  elevadíssimas e  o  prazo de  cinquenta  anos.  Em suma:  o  Estado  venturoso  do  Rio Grande  do  Norte  recebeu  três  mil  e tantos  contos  de réis,  vai  pagar fatalmente perto  de  dez  mil  e  sobrecarregou  o  seu  orçamento, que era  de mil  e  duzentos  contos,  com  os  pesadíssimos  ônus  desse  empréstimo  tão malbaratado.
Alberto  reemprestou-o quase todo aos  seus  queridos  parentes e com  eles então  contratou  uns  tantos  melhoramentos    duvidosos para o  Natal dos Pobres,  relativamente,  alguns  desses felizardos  ofereceram  como garantia, o  seu  parentesco rendoso  e  a  indiferença  do povo  por  esses  arranjos ilícitos.
Não  contente  de  tamanhas  desenvolturas,  Alberto  comprou  a  si  próprio e  aos  seus  cunhados, por cem vezes  mais do que  devia,  terrenos  tão valorizados  que  até  nunca  tiveram dono.  E  impossível  ser  mais  impudente  de  que  esse governador  traficante.
O  pretexto  de  escolas  agrícolas  e outros  disfarces  com  que  esse  despejado  governador  enxovalha  a  sua função  e  ludibria  o  povo  complacente,  foi  o  que  veio  a  lume.
E  esse mesmo povo, talvez porque de tempos  remotíssimos  o  venham  flagelando  os vendavais  das secas dolorosas  em  que  se  lhes  depaupera as  crenças  e  as  energias,  ou porque de  fato,  pelas  suas  qualidades  ingênuas  mereça a canga  deste  opróbrio — esse  povo  suporta  sem  indícios palpitantes  do  desagravo,  a que tem  direito,  a  ignomínia  de  tanto despudor,  o  cativeiro  desmoralizante  de  usurpadores  tão  acanalhados.
O  palácio,  até  pouco  tempo,  era uma  como  feira  política.  Em  vez  das autoridades,  dos  funcionários,  dos amigos,  Alberto  só  congregava  em torno  de seu  balcão,  os  agentes  de compras  e os  corretores  seus  associados.  Era,  como  bem  lhe  chamou alguém,  se  a profecia  não falha, o último representante  político  da  cigana de Nazareth.
Dos  Machados,  essa  outra  superfetação  que afeia,  infecciona  e  degrada  os  órgãos essenciais  da  Republica na Paraíba  do  Norte,  eu  não quero tirar o gosto  de  escapela-los com sua mestria ao dr. Coelho Lisboa.
Pernambuco,  Alagoas,  Sergipe, Espírito  Santo,  Goiás  e  Piauí,  rastejam  todos  pelo  mesmo  nível  de decadência, maculando-se  com  a  tisna das mesmas imoralidades,  atascando-se  no  lodo profundo  das  mesmas corrupções.
As  diferenças  locais  não  invalidam esta  sentença,  nem prevalecem  para atenuar-lhe  o  merecido  rigor.  Os exames  em  Maceió,  não  envergonhariam  os  de  Natal, por  exemplo.
Por  toda  parte  a  mesma  desfaçatez  na  desonestidade  impunida,  a mesma  artificialidade  na política  exploradora,  a  mesma  prevaricação  na magistratura  das  oligarquias.  O  mesmo  desbragamento  no  ataque  aos  oposicionistas inermes,  os  mesmos congressos  de  nulos  e  de  servis e para tributar  o  povo,  sem  direitos,  sem liberdades,  céptico  e  de  esperanças amortalhadas,  se  o  honrado  concidadão que hoje governa a  Republica, imitasse — o  que  não  ha  de  suceder — os seus  antecessores  estigmatizados, carcomidos  pela  execração.
Porque  o  sr.  Bulhões,  ou  porque os  seus  companheiros quase todos sem  a  consciência  do  que  deva  ser política republicana,  estômagos  incontentáveis,  monarquistas  descrentes, uns  discípulos  de  Verres,  outros de  Barras, — a  obra  prima  da  corrupção,  como  lhe  chamou  Bonaparte, hão  de perenizar-se  nos  galarins  de um poder,  que  não  é  somente  ilegítimo, senão também  nefasto  ao  princípio  da  ordem  e  as  necessidades  do progresso?
As  oligarquias  devem  morrer.  E hão  de  morrer,  meus  concidadãos. Não  falta  muito.  Conservá-las,  seria  o  mais  inepto,  sobre  ser  o  mais perigoso  do  todos  os  nossos  crimes.
E  ao  que se  vê,  nem  será  possível a  ninguém, por  mais  que  envide  todas  as  suas  forças,  ampará-las  muitos anos,  ou  perpetuá-las  na  história...
Não  se  pereniza  nas sociedades senão  o  que  é  natural  e  se  ajusta  aos interesses  comuns,  seja  como  tendência,  ou  seja  como produto  do espírito  da  coletividade  em  progresso,  em  busca  do  seu  bem  estar, guiando  para  a  verdade  e  a justiça.
Não  há,  nem  houve jamais razão para  desesperar-nos  das  forças  limitativas  do tempo,  nem  das  energias recuperadas  da  Federação  Brasileira, mutilada,  agora  nos  seus  direitos,  cerceada  na  sua  influência.  onerada  nas suas  dívidas,  abalada  nos  seus  destinos, apoucada  na  sua  reputação enquanto  frondescer  a  árvore  maldita,  que  agasalha  a  descendência  dos falsificadores  da  Constituição  de  24 Fevereiro.
Para  desarraigá-lo  do  solo  constitucionalizando  a  Republica,  abatida intercadentemente,  como  todas  as  suas irmãs  da  América  do  Sul,  por  delírios  de  indisciplina  e  alucinação  de revoltas,  há  de  surgir,  na  ocasião mais  propícia,  um  milagroso poder, seja qual for.  E  esse  poder  que  todos  pressentimos  sem  desalentos  que nos desviem ou  sofreguidões,  que nos  decepcionem,  ou  há  de  ser  a força  centrípeta do  Catete,  a  honestidade  perseverante do  Chefe  do  Executivo ou  o  braço  vingador  e  irresistível  da  própria  multidão. E que  sempre  esta  foi  capaz  de  resgatar  pelo  heroísmo,  os  erros  da  pusilanimidade,  os excessos    da  sua  condescendência,  verdade  é  que  ninguém ignora.
Das  oligarquias para a  anarquia não  levamos  nós  dilatados  séculos de  ânsias,  de dúvidas,  nem  de  aviltamentos;  ao  contrário,  já  estamos na  segunda;  esperamos  pouco  para vencer o caminho.
J. da Penha (Jornal do Ceará. Ano VIII. Nº 1382. 07.08.1911)

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