João Batista, em outras correspondências, conta mais sobre Miguel Trindade: "Miguel, seu pai, era uma pessoa que possuía um profundo sentimento de gratidão. É por aí que eu começo. Percebi isto em conversas sobre Câmara Cascudo, Etelvino Lins, Heroiso Pinheiro e Anselmo. Cada personagem, um fato.
Vamos ao primeiro: Criticava eu Câmara Cascudo. Por ser integralista, eu o chamei de fascista. Miguel disse-me: não é bem assim. Contou-me, então, o seguinte: "eu estava fazendo a barba quando bateram em minha porta (nessa época, ele morava no primeiro andar de uma casa comercial na Av.Duque de Caxias). Abri a porta, ainda ensaboado: era Amaro Siqueira, que trabalhava na Polícia Civil. Disse-lhe: entre, Amaro. Este foi entrando e me dizendo: Miguel, vim com a incumbência de prendê-lo e levá-lo para o Recife. Perguntei-lhe se dava tempo para terminar a barba e tomar um banho. Respondeu-me que ficasse à vontade. Amaro, no caminho para a Secretaria de Segurança, disse-me: é danado, Miguel, amanhã é o jogo da seleção brasileira (1938) e eu vou perder, pois amanhã partiremos de trem para o Recife. Eu disse: Amaro, fique e assista o jogo, que eu pego o trem e me apresento na Secretaria de Segurança no Recife. Amaro respondeu-me: Miguel, sei que você faria isto, mas eu não posso deixá-lo só. No outro dia, no trem, Amaro disse-me: Miguel, levo aqui no meu bolso uma carta de recomendação de Cascudo. E eu respondi: que história é esta? Disse-me Amaro: ontem à tarde encontrei-me com Cascudo e ele me perguntou o que eu estava fazendo e eu lhe disse que estava com a desagradável incumbência de levá-lo preso para o Recife. Cascudo pediu-me que passasse em sua casa, o que fiz, entregando-me ele esta carta de recomendação. Perguntei a Amaro para quem era a carta, respondendo-me que era para o Dr. Etelvino Lins, Secretário de Segurança em Pernambuco". Continua Batista na sua correspondência: "João Felipe, embora tivessem visões políticas opostas, quando toda a esquerda chamava Cascudo de fascista, inclusive eu, seu pai, movido pela gratidão, fez esta ressalva, distinguindo certos integralistas de fascistas, no que estava certo.
Preso no Recife foi seu advogado um cidadão chamado Reis Lisboa, que conheci, quando trouxe uma carta de Miguel para ele, em 1949. Não tenho certeza, mas acredito que este Reis Lisboa era do Telégrafo. Contou-me seu pai que o Reis Lisboa procurou Etelvino Lins e manteve com este o seguinte diálogo: "Etelvino, como é que você mantém preso o Trindade, colega seu na sala de aparelhos do Telégrafo, uma pessoa que você conhece na palma da mão?" Disse Reis Lisboa ao seu pai: Etelvino abriu uma gaveta, puxou um maço de cartas e respondeu-me: "se eu entregasse este maço de cartas de Trindade à comissão, onde iria parar Trindade? "Pelo visto, seu pai era grato ao gesto de Etelvino por este não ter entregue o tal maço de cartas à comissão."
Quando o seu pai voltou para Natal, recém saído da prisão, entrou com o processo na Justiça, solicitando reintegração no cargo que exercia no Telégrafo. Enquanto aguardava a decisão judicial, Heroiso o convidou para trabalhar no seu escritório de representações. Ali ficou Miguel por alguns anos. Foi o espírito de gratidão, mais uma vez, que falou mais alto. Heroiso não terminou sua vida em sua casa, porque resolveu ir embora, falecendo logo em seguida. Heroiso era uma pessoa decente.
Quando Anselmo assumiu a Diretoria dos Correios e Telégrafos, chamou o seu pai para chefiar a Secção Econômica. Causou espanto. Sendo Miguel de ideologia de esquerda, contundente ao que pregavam o PSD (partido de Anselmo) e a UDN, somente uma profunda confiança no caráter de seu pai justificaria tal gesto. Somente a gratidão merecia o respeito que Miguel tinha por Anselmo. Parece-me que ele era padrinho de seu pai."
Em outra correspondência, escreve-me, João Batista:" Preso Miguel em Recife, posteriormente foi encaminhado, com outros presos, ao Presídio da Ilha Grande, como acontecera com Graciliano Ramos. No presídio vieram a ser companheiros, entre outros, Graciliano Ramos, Aparício Torelli (o célebre Barão de Itararé) e um seu amigo chamado Wander Linden. Certo dia, estavam sentados no chão, encostados em uma parede Miguel, Graciliano e Wander Linden. Graciliano com um lápis na mão e um caderno escrevia. Wander Linden, com um canivete e uns pedaços de madeira fazia peças de jogo de xadrez. Conversavam, menos Graciliano. Em dado momento, Wander Linden disse: "Miguel, com quem se parece este cavalo?" Miguel olhou para a peça, demoradamente, e respondeu: "Tem as feições de fulano". Graciliano, que estava escrevendo, virou-se e num gesto de exclamação perguntou: "Feições!". Miguel respondeu: "Sim, feições." Graciliano virou-se de costas para Miguel e continuou escrevendo. Uns dez minutos depois, Graciliano virou-se para ele e disse: "É, é feições mesmo."
Miguel gostava muito dos escritos de Graciliano. Vez por outra, ele me recitava trechos do seu livro Angústia." Miguel Trindade morreu em 1973, com a idade de 71 anos. Minhas homenagens a esse lutador desconhecido pela história do Rio Grande do Norte.
Vamos ao primeiro: Criticava eu Câmara Cascudo. Por ser integralista, eu o chamei de fascista. Miguel disse-me: não é bem assim. Contou-me, então, o seguinte: "eu estava fazendo a barba quando bateram em minha porta (nessa época, ele morava no primeiro andar de uma casa comercial na Av.Duque de Caxias). Abri a porta, ainda ensaboado: era Amaro Siqueira, que trabalhava na Polícia Civil. Disse-lhe: entre, Amaro. Este foi entrando e me dizendo: Miguel, vim com a incumbência de prendê-lo e levá-lo para o Recife. Perguntei-lhe se dava tempo para terminar a barba e tomar um banho. Respondeu-me que ficasse à vontade. Amaro, no caminho para a Secretaria de Segurança, disse-me: é danado, Miguel, amanhã é o jogo da seleção brasileira (1938) e eu vou perder, pois amanhã partiremos de trem para o Recife. Eu disse: Amaro, fique e assista o jogo, que eu pego o trem e me apresento na Secretaria de Segurança no Recife. Amaro respondeu-me: Miguel, sei que você faria isto, mas eu não posso deixá-lo só. No outro dia, no trem, Amaro disse-me: Miguel, levo aqui no meu bolso uma carta de recomendação de Cascudo. E eu respondi: que história é esta? Disse-me Amaro: ontem à tarde encontrei-me com Cascudo e ele me perguntou o que eu estava fazendo e eu lhe disse que estava com a desagradável incumbência de levá-lo preso para o Recife. Cascudo pediu-me que passasse em sua casa, o que fiz, entregando-me ele esta carta de recomendação. Perguntei a Amaro para quem era a carta, respondendo-me que era para o Dr. Etelvino Lins, Secretário de Segurança em Pernambuco". Continua Batista na sua correspondência: "João Felipe, embora tivessem visões políticas opostas, quando toda a esquerda chamava Cascudo de fascista, inclusive eu, seu pai, movido pela gratidão, fez esta ressalva, distinguindo certos integralistas de fascistas, no que estava certo.
Preso no Recife foi seu advogado um cidadão chamado Reis Lisboa, que conheci, quando trouxe uma carta de Miguel para ele, em 1949. Não tenho certeza, mas acredito que este Reis Lisboa era do Telégrafo. Contou-me seu pai que o Reis Lisboa procurou Etelvino Lins e manteve com este o seguinte diálogo: "Etelvino, como é que você mantém preso o Trindade, colega seu na sala de aparelhos do Telégrafo, uma pessoa que você conhece na palma da mão?" Disse Reis Lisboa ao seu pai: Etelvino abriu uma gaveta, puxou um maço de cartas e respondeu-me: "se eu entregasse este maço de cartas de Trindade à comissão, onde iria parar Trindade? "Pelo visto, seu pai era grato ao gesto de Etelvino por este não ter entregue o tal maço de cartas à comissão."
Quando o seu pai voltou para Natal, recém saído da prisão, entrou com o processo na Justiça, solicitando reintegração no cargo que exercia no Telégrafo. Enquanto aguardava a decisão judicial, Heroiso o convidou para trabalhar no seu escritório de representações. Ali ficou Miguel por alguns anos. Foi o espírito de gratidão, mais uma vez, que falou mais alto. Heroiso não terminou sua vida em sua casa, porque resolveu ir embora, falecendo logo em seguida. Heroiso era uma pessoa decente.
Quando Anselmo assumiu a Diretoria dos Correios e Telégrafos, chamou o seu pai para chefiar a Secção Econômica. Causou espanto. Sendo Miguel de ideologia de esquerda, contundente ao que pregavam o PSD (partido de Anselmo) e a UDN, somente uma profunda confiança no caráter de seu pai justificaria tal gesto. Somente a gratidão merecia o respeito que Miguel tinha por Anselmo. Parece-me que ele era padrinho de seu pai."
Em outra correspondência, escreve-me, João Batista:" Preso Miguel em Recife, posteriormente foi encaminhado, com outros presos, ao Presídio da Ilha Grande, como acontecera com Graciliano Ramos. No presídio vieram a ser companheiros, entre outros, Graciliano Ramos, Aparício Torelli (o célebre Barão de Itararé) e um seu amigo chamado Wander Linden. Certo dia, estavam sentados no chão, encostados em uma parede Miguel, Graciliano e Wander Linden. Graciliano com um lápis na mão e um caderno escrevia. Wander Linden, com um canivete e uns pedaços de madeira fazia peças de jogo de xadrez. Conversavam, menos Graciliano. Em dado momento, Wander Linden disse: "Miguel, com quem se parece este cavalo?" Miguel olhou para a peça, demoradamente, e respondeu: "Tem as feições de fulano". Graciliano, que estava escrevendo, virou-se e num gesto de exclamação perguntou: "Feições!". Miguel respondeu: "Sim, feições." Graciliano virou-se de costas para Miguel e continuou escrevendo. Uns dez minutos depois, Graciliano virou-se para ele e disse: "É, é feições mesmo."
Miguel gostava muito dos escritos de Graciliano. Vez por outra, ele me recitava trechos do seu livro Angústia." Miguel Trindade morreu em 1973, com a idade de 71 anos. Minhas homenagens a esse lutador desconhecido pela história do Rio Grande do Norte.
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