Por João Felipe da Trindade
jfhipotenusa@gmail.com
Este artigo foi publicado pelo alferes J. da Penha, no Jornal do Ceará, o que lhe valeu a prisão, em 1904
Culminam presentemente as amarguras
do povo brasileiro, de há muito seviciado pelas torturas políticas.
O trágico inesperado de uma comoção
violenta, acaba de precipitar-lhe sobre o coração uma catadupa de sentimentos
penosos, mas agravados ainda pelo misterioso das comunicações telegráficas.
Depois de ludibriado numa
esperança, vê Lauro Sodré infamado numa campanha maldita, ou, mais ajusta,
atraído numa cilada abjeta. Conchavaram-na, em tenebroso conciliábulo, e
rancorosa vaidade de um chicanista, exaltado ao ministério e a perfídia, mais que verossímil, de algum general de
opereta, com tácito ou expresso consentimento de 20 oligarquias.
Mas não surtirá os colimados
efeitos a suspeitada maquinação, em que o verdadeiro engodado não foi aquele
representante imaculado e bem querido do povo, senão este mesmo, que agora mais
o aprecia, destaca no exame de pigmeus que tentam detrair de um gigante de sua
corpulência.
As carabinas acertaram nos peitos,
mas daí não extirparam as convicções; esfacelam, esmigalham os crânios, mas não
desfazem esperanças, nem apagam o rastro luminoso das ideias, sorteadas para o
triunfo.
Nas pressões magoam-se as vítimas,
não se trituram, porém, reputações, nem se aniquilam apostolados. Não há
conquista sem lutas, nem luta sem sacrifícios.
A história da liberdade é um poema
de dores e, mais de uma vez as sombras da morte velaram de tristeza as
radiações do direito e da justiça.
Poderão os labéus, quando muito
açular os melindres de homens pundonorosos; jamais entibiarão as consciências,
alentadas pelo civismo e santificados pela virtude.
O sarcasmo, que a própria Divindade
pode malfazer, só macula e desprestigia, quando quem o dardeja fita os olhos na
imagem veneranda dos princípios, tendo de seu partido o empenho e o
desprendimento, de par com a religião do
bem e da verdade.
Baldamente forcejarão os
liliputianos, por esconder sua falsidade quando articulam calunias e despejam
invectivas às plantas, que lhes superam as cabeças, de um Lauro Sodré e outros
de igual porte.
Ilaqueiam a boa-fé dos ignorantes,
mas não engrossam por muito tempo as fileiras de sua campanha.
A boa fama, que o notabiliza é a
projeção, em verdadeira grandeza, da luz de sua mentalidade seleta, harmonizada
com o seu edificante viver público e doméstico, extremes de quaisquer nódoas.
Bem longe está de ser aferida pelo
deboche de certos jogadores, pela subserviência proverbial de certos deputados.
Não orça pela cultura meã e gana desabrida, porque se caracterizam os
rabiscadores de artigos farfalhantes,
onde a retórica de preparatoriano anda a correr aposta com a veracidade e a
sabujice, de candidato â Câmara dos nulos.
Do seu passado inteiriço de
benemerências é documento a suprema investidura de Grão Mestre, com que o
distinguiu o povo maçônico.
A injustiça distributiva do acaso e
a delação infamante de conjurados que, talvez, se afoitaram a tanto, mercê da lealdade
cristalinamente pura do prisioneiro do Deodoro, não lhe ganharão o prestígio, e
antes vão redobrá-lo.
Quem reage é mais necessário ao
mundo e ao progresso, do que os
opressores do povo e os submissos a todos os governos.
Não há como a perseguição para
operar prosélitos e sagrar a imortalidade
dos heróis ou a veneração dos mártires. Para que servem as dilatações
interesseiras da loquacidade dos alugados do Rio, admiradores ao certo, do seu
ultrajado de hoje?
Mais de uma vez não foi
carinhosamente citado nos seus jornais, por cujas portas, então se esgueiravam
os vultos anafados e dinheirosos de Frederico Gambá e Antônio Lemos?
Acaso comprimirão, com o seu despeitado
terror, a grandeza excepcional do amor e da confiança posta em Lauro Sodré?
Nunca! Houvesse o destino repartido embora sumiticamente, com todos esses
desatinados, alguns retalhos de perspicácia, dignidade e bom senso, e teriam de
economizar para tempos mesmos sombrios, o dinheiro desses telegramas
congratulatórios, coimados de imenso ridículo, e tracejado ainda sob a pressão
do medo.
Inquinar de suspeito à República o
seu mais lídimo defensor!
Seria por demais revoltante, se não
fora estupidamente desajeitado. Requeimaria os lábios do acusador, se não fosse
em todos os Estados e no D. Federal, da laia dos Fredericos e dos Studarts.
Inimigo dessas mediocridades viciosas, inimigo dos
inimigos encapuçados da República, isso é o que Lauro Sodré tem sido, sem
descontinuar.
Afrontar-se com o perigo
destemidamente, até o sacrifício heróico do próprio sangue, foi que ele fez.
Alvejou o governo, insurrecionando-se?
Mas então era no altar da
República, interdito aos republicanos, que ele tentava imolar-se pela sua
religião de toda a vida. Os falsários e os dilapidadores do Banco da República
estão sem idoneidade para julgá-lo.
No presente é o suposto
tenente-coronel amotinado; para o futuro, quando a ressureição do sonho de
Benjamin for uma realidade, trocar-se-ão os papéis. Será o manso precursor das
esperanças dolorosas de uma geração, impiedosamente batida dos temporais do
infortúnio.
Será o predestina para concretizar,
entre nós, o direito sacrossanto, que os povos têm de revolucionar-se, como o
governo de se defender.
Haverá quem o conteste de boa
mente? É possível. Mas se não for um direito, é pelo menos uma fatalidade
histórica, de que todas as idades mostram dos lutuosos vestígios.
Querem mais uma prova? Deixem armar
ao povo, e o exército desapareça, ou se neutralize.
Ao tempo do próprio direito divino,
já se depunham os reis, traidores de seu juramento.
Os percussores de Montesquieu, de
Rousseau, e tantos outros que evangelizaram a política, são coevos das
primeiras sociedades humanas.
Blunstchli é da nossa era: mas a
Belisário, o justo, o valoroso e sábio general romano, atribui o abalizado Marmotel
em discurso, por onde se aprenderão
ensinamentos iguais aos do publicista moderno. “ A lei, fala mais ou menos
Belisário, pela boca de Marmontel, é o acordo de todas as vontades reunidas em
uma só, e tendo para sustentá-la o concurso de todas essas forças”. Quando
o capricho de um déspota quiser que vigore uma lei injusta, promulgas pela
singularidade de sua opinião, é preciso dividi-la, encadeia-la, destrui-la,
combatê-la.
Foi o que sucedeu com o Sr. J.
Seabra e o seu monstruoso regulamento em preparação.
Quiseram alguns propugnar pelos
direitos da natureza diante dos quais bem podiam ali preterir o da nossa
Constituição.
Que lhes fizeram?
Descarregaram-lhes a espada para cortar as cabeças erguidas para o céu.
Escravos não olham para cima,
arrastam-se de cerviz arqueada e lábios suplicantes...Está bem...Vamos para a
frente...Nem tudo está perdido...Dos conflagrantes desejos do povo e do
Ministro, certo que hão de manar benefícios para os liberais, atualmente
sacrificados aos delírio do quero, posso e mando.
Em todos os recontros, ainda quando
se apropriam do campo, os vencidos são sempre os conservadores, puchantes a
reacionários.
Encarna Lauro Sodré, - o militar
pacífico e modesto, o radioso futuro, talvez dos nossos netos. Ressurge no Sr.
J. Seabra – o vaidoso legista arruaceiro, - a peia e mais instrumentos
degradantes dos ominosos tempos do cativeiro colonial.
É jurista, mas incapaz de praticar
o direito, por lhe faltarem o senso e a retidão. Transportaria para nosso meio,
enxertaria no nosso corpo, ad instar do famigerado Regulamento, (pelo qual só
os vacinados podem locomover-se, comerciar, etc., livremente) as leis
inquisitoriais do beatismo espanhol do tempo de Torquemada. É com a máxima
propriedade, um desassisado feliz.
Ceará, - novembro de 1904 - J. da
Penha
Nota do Jornal Pequeno (22 de
dezembro de 1904) – este artigo, foi publicado no Jornal do Ceará, de
Fortaleza, em 7 do corrente e determinou a prisão do autor que se acha
recolhido à sede do 2º distrito militar, no estado-maior do 27º batalhão de
Infantaria.
O alferes J. da Penha é um dos mais
belos ornamentos intelectuais do exército brasileiro e seu nome tem firmado
trabalhos publicados na imprensa do Brasil, principalmente na Capital Federal.
Alguns dos seus trabalhos estão
reunidos em volumes, dos quais são por nós conhecidos: O Espiritismo e os Sábio
e Pela Pátria e pelo Exército.
Neste último volume são
encontrados escorços burilados com
admirável talento, num estilo que é próprio e que revela o merecimento de quem
o maneja, em polemica travada com alguns de nossos mais respeitados homens de
letras.
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