Museu José Elviro
60 anos de histórias
hoje 5 de novembro 20012
gilson barbosa lima
Visitei
o Museu José Elviro, em Macau. Quem me ciceroneava era nada menos que o
popular João de Aquino (in- memoria). Dentro daquele velho depósito da
antiga CCN, conheci uma outra Macau, empoeirada de lembranças, elevando no ar o incenso de décadas e séculos passados. Aqui
as grades serradas por um preso no século XVIII. Ali a primeira pia
batismal da cidade. Mais adiante os paramentos do saudoso Monsenhor
Honório e o cálice com que ele celebrara sua última missa.. Estas fotos
são da família do conde Pereira Carneiro e este sino avariado foi o
que restou de um grande incêndio em Macau. E por aí passava
o tempo. Restrito àquelas paredes rústicas que há muito tempo não
sentiam o cheiro de tinta, com curiosidade arriscava algumas perguntas ao
meu anfitrião: "seu João, quantas peças temos aqui?” E a resposta ;
“Cerca de 5.000, em lamentável estado...”Estas palavras me transportaram
a uma vigorosa reflexão sobre o papel dos Museus. Seriam os museus
meros repositórios de vestígios do passado? Seriam os arquivos da
memória coletiva de um povo, de uma cidade, e das circunstâncias deste povo desta cidade? Uma coisa pareceu-me bastante certa; um Museu é o
elo de ligação entre os tempos passados e futuro. É o que une o traço
de união puro e simples, encadeando vivencias humanas O que seria de um época chamada Renascimento, sem o David e a Pietá de Michelângelo, sem
as pinturas da capela sistina? Como devemos ser grato por poder
contemplar aquele sorriso enigmático da Mona Lisa a cativar os séculos, indecifrável.
Um museu é um pouco de cada um de nós, retroagindo a nossos ancestrais que entesouravam dentro de si estes exemplares de preservação da espécie a ostentar seus nomes e sua individualidade. Ali, com o seu João de Aquino, pensava seriamente se a historia da raça humana não é a própria historia de sua estupidez, de seu non-sense. Em que tardes teria soado aqueles sino semi-derretido pelo incêndio? E que emoção teriam povoado o coração do nobre Monsenhor Honório naquela missa em particular na qual usara aqueles paramentos? Imaginava que ideia de liberdade teria aquele preso ao serrar aquelas grades há duzentos e poucos anos atrás!
Um museu é um pouco de cada um de nós, retroagindo a nossos ancestrais que entesouravam dentro de si estes exemplares de preservação da espécie a ostentar seus nomes e sua individualidade. Ali, com o seu João de Aquino, pensava seriamente se a historia da raça humana não é a própria historia de sua estupidez, de seu non-sense. Em que tardes teria soado aqueles sino semi-derretido pelo incêndio? E que emoção teriam povoado o coração do nobre Monsenhor Honório naquela missa em particular na qual usara aqueles paramentos? Imaginava que ideia de liberdade teria aquele preso ao serrar aquelas grades há duzentos e poucos anos atrás!
Como
não poderia faltar, podia ver aqueles fiapos auriverdes brasileiras dos
pracinhas Macauenses que foram tomar Monte Castelo em meados desse século. Que expressões de heroísmo
agitavam o pracinha a conduzir aquela bandeira? A noção me tocava. Um
tempo que não o meu me traduzia sentimento e tocava em minha alma essas
reverberações tão perfeitamente adequadas e indispensáveis à historia
das civilizações. Em alguns momentos, deixara de observar as relíquias
do museu José Elviro para me fixar naquele homem nobre, altivo, cheio de princípios
e... radical na proteção dos mesmos. Esse sujeito magnífico ali estava
integrado ao seu ideal, livre como um pássaro, usufruindo das
expressões de meu contentamento ao ver diminuída, pouco a pouco, minha
colossal ignorância.
Tratado
como louco, visionário, com uns parafusos a menos ou algumas
engrenagens a mais, como um ser em busca de fina sintonia. Diante de mim
João de Aquino que em 1936, aos 18 anos começava a recolher fragmentos
da historia e homenageara seu pai Elviro dando seu nome
ao museu. Queda da-me a pensar a falta de visão de nossos
contemporâneos, indiferentes a este. Guardião do tempo, a este Vigilante
da memória de uma cidade, a sua e a minha cidade, a cidade decantada nas
poesias e no lirismo de um Edinor Avelino.
Quantos
objetos seculares que pertenceram à família do conde Pereira Carneiro, o
mesmo conde que fundou uma das referências emblemáticas da imprensa
nacional :o jornal do Brasil. Ridicularizado como Galileu, escarnecido
como Copérnico., esse sujeito de bigodes bem cuidados,
formando um perfil de cavalheiro antigo me lembrava quão implacável era a
historia; não se apreciam aqueles que ousam ultrapassar os limites do
seu tempo. Antes do anoitecer, duplamente impressionado eu estava.
Primeiro porque tantas relíquias aquele homem havia recolhido em um
trabalho inglório (já que era e é tão menosprezado por seus
conterrâneos) e depois por ver todo aquele acervo, semente do Louvre de
Macau, em estado de deplorável destruição; sem estantes,
sem espaço, sem apoio. E tudo isso contrabalançado pelo amor
inquebrantável de um certo João de Aquino. Na memória de João de Aquino
estavam todas as etiquetas de cada peça. Etiquetas bem detalhadas, com
historia da procedência e a certeza da veracidade. “Não preciso mentir,
pois posso muito bem viver sem mentir” dizia-me ele ao ver minha
surpresa ante alguma informação dada. Quando os poderes públicos
despertarão para a importância histórica do Museu J. Elviro? Quando as
instituições com nomes pomposos que atuam na preservação do patrimônio
histórico nacional descobrirão
este Museu? O que anotei e passo a quem interessar também possa é que é
urgente uma equipe de museólogos e de restauradores e também de um
mínimo de mobiliário adequado para preservar Macau. Uma Macau de lutas e
de sonhos de nossas antigas gerações. Assim como livro e disco são
cultura, Millôr é cultura, museu também é cultura. O mais, é conversa
fiada.
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