Intrigas na Capitania do Rio Grande
João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor de Matemática da UFRN e membro do INRG
Viajando ao passado através dos documentos mais antigos, vemos que a intriga esteve sempre presente na História de nossa Capitania. A Corte portuguesa era sempre bombardeada por todo tipo de queixas vindo dos seus vassalos. Hoje vamos transcrever para cá mais um documento extraído do Centro de Memória Digital da Universidade de Brasília.
O capitão-mor do Rio Grande do Norte, José Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque, em 1806, encaminhou ofício ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, visconde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Mello, nos termos que se segue.
No dia em que fui beijar as mãos de Vossa Excelência pelo despacho que Sua Alteza Real me tinha conferido de Governador desta Capitania, fez Vossa Excelência a honra de dizer, que ora preciso que eu partisse logo, pois que nela havia algumas desordens: acelerei a minha viagem, tomando posse do governo, tratei de desterrar a intriga, por todos os modos, já fazendo falas diante de alguns, que eu sabia eram motores dela, e já tratando-os com um total desprezo /método que em tal caso me pareceu melhor/; porém, Excelentíssimo Senhor, enquanto aqui existir um sargento-mor chamado João Rabello de Siqueira Aragão, cujo péssimo gênio, e orgulho é inenarrável, e alguns párocos, cuja materialidade e gênio só propende a fazer o mal, é impossível haver paz nesta terra, e poder-se desvanecer a intriga: qualquer deles me obsequiam extremosamente, e até o presente vou vivendo do bem com eles, na certeza de que brevemente haverá rompimento, pois, talvez pensem captando-me assim, serei capaz de algum dia entortar a justiça: este sargento-mor é aquele, que trazendo-o o Excelentíssimo D. Thomaz José de Mello em paisano de Lisboa para Pernambuco, unicamente para o beneficiar, e acumulando-o de benefícios; pelo seu mau caráter teve a habilidade de indispor todo o povo daquele país contra o dito Excelentíssimo General; e nesta Capitania o mesmo fez com o meu antecessor Lopo Joaquim de Almeida, só porque quis quartar a ferocidade de gênio, em algumas diligências de que estava encarregado; não sei se por máxima ou realidade, pediu ao Excelentíssimo General de Pernambuco passagem para fora desta Capitania, e participando-me o dito Excelentíssimo General, logo que cheguei de Lisboa, eu lhe disse que me fazia grande favor, pois bem conhecia, porém até agora o não tem feito, talvez seja porque ninguém quer um má rês em seu território.
O pároco da Freguesia desta cidade Feliciano José Dorneles, não só viveu sempre intrigado com os meus antecessores, tratando-os com a maior insolência, como com os governadores interinos, que tem havido, e em geral com todo o povo da dita Freguesia, o que faz com que todos vivam em contínuos desgostos, e que absolutamente fujam da sua Igreja, e até da cidade; pois sendo ele um autômato é só movido para uma família, onde dizem ter tratos ilícitos e por ela só é encaminhado para o mal, porque tem a já dita propensão.
O da Freguesia de São José de Mipibu, João Dias Pereira, e o da Vila Flo,r Miguel Joaquim do Rego, concordam igualmente em tudo com o dito Dorneles, pois também são de péssimos gênios, orgulhosos, e intrigantes.
Estes párocos, na minha chegada celebraram um Te Deum em ação de graças, orando um deles por me lisonjearem, desfeitearem o meu antecessor Lopo Joaquim, porém o amor da verdade me faz falar desta sorte, e não dar atenção a podre lisonja.
O pároco da freguesia de Extremoz tão somente por mau gênio trás atropelado aquele povo, que vive nas circunstâncias do das de outras que já tratei; mas este conservo em Diretor de uma Vila de Índios porque para isso tem muita propensão.
Todos os mais párocos estão no mesmo caso de materialidade que os três; porém, vivem em paz com os fregueses; a exceção do da Freguesia da Vila do Príncipe, que sendo novo, é digno de outra melhor, pois além de ter muitas luzes, é muito prudente e amante da paz. Uma das razões, que tenho descoberto porque eles se intrigam com os governadores, é porque /como todos os mais clérigos/ se julgam desligados da sociedade, e pertencentes a outra muita diversa; que os livra de ter a mesma subordinação as autoridades constituídas, civis, ou militares, e enquanto não perderem este prejuízo há de haver desordem; e a outra é não haver a melhor escolha na eleição deles, pois em respondendo a alguns casos de moral, a maneira de adivinhação, já os julgam capazes de curar almas e dirigir povos; no que foi bem infeliz o ex-Bispo de Pernambuco D. José Joaquim de Azevedo /cuja prática era sempre diversa da teoria/; pois os vigários por ele propostos são quase todos da classe do que aqui aponto; portanto, Excelentíssimo Senhor, rogo a Vossa Excelência queira dar sobre este objeto aquela providência que lhe parecer justa a benefício dos povos, e sossego dos Governadores, ficando V. Excelência certo que toda a providência que pretenda dar respectiva a clérigos, por autoridades Eclesiásticas, é infrutífera, e só servirá de me comprometer, pois Vossa Excelência bem conhece, como todos eles pensam a este respeito.
Deus Guarde a Vossa Excelência, Cidade do Natal 5 de setembro de 1806.
José Francisco da Paula Cavalcante.
Esse padre da Vila do Príncipe, pela data, devia ser Francisco de Brito Guerra.
Uruaçu, 366 anos do massacre!
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