A Genealogia exige muita paciência e cautela. Nem sempre é fácil conseguir encontrar boa parte de nossos ascendentes. Registros perdidos ou mal elaborados, dificuldades em cartórios e órgãos que deveriam preservar os documentos, tudo isso concorre para alguns insucessos. A tradição oral vai, a cada geração, distorcendo as informações do passado. São necessárias muitas informações para se chegar a uma conclusão.
Em carta a Max Planck, Einstein escreveu: "Você acredita num Deus que joga dados, e eu em lei e ordem absolutas." Acho que Einstein se precipitou. A Ordem contém o Caos e vice-versa. Entre as leis, há as das probabilidades e das incertezas. O mundo é probabilístico. Não é verdade que nada é por acaso. Antes de qualquer coisa acontecer houve escolhas. E são as escolhas que fazem do nosso mundo, um mundo de incertezas. Caso contrario, seria um tédio só. E a vida é mais interessante por conta das imprevisibilidades.
Cada um de nós tem dois pais, quatro avós, oito bisavós, 16 tetravós, e assim por diante. Se nossos ascendentes não casassem dentro da própria família, na décima geração, para cima, contando a partir dos nossos pais, teríamos 1024 ascendentes. Cada um deles contribuindo com uma parte da sua genética para que nós existíssemos hoje. Quando cada um fez a escolha do seu par, estava criando a possibilidade de nossa existência. Uma outra escolha diferente e, com certeza, um de nós não existiria hoje. Mais ainda, eles trilharam caminhos difíceis para que nós tivéssemos certo conforto. Buscar conhecer a história de nossos ancestrais é uma forma de tributo a eles. A genealogia não é um "Catálogo de Vaidades" como queriam alguns.
Escolhemos João Alves Martins como um exemplo das dificuldades que podemos encontrar na Genealogia, para reconstituir uma história. Tudo começou quando encontrei o seguinte registro na Freguesia de Touros.
Aos vinte e oito de Maio de mil oitocentos e cinqüenta e quatro nesta Matriz, em minha presença, e das testemunhas João Severiano Moraes e Victoriano Rodrigues dos Santos, se receberam por palavras de presente, e mútuo consenso, João Martins Ferreira ,filho natural de Delfina Maria dos Prazeres, e Anna Maria de Jesus, filha legitima de Bernardino Moraes de Sena e Maria do Nascimento; depois de corridos os proclamas sem impedimento e, precedidos das mais formalidades do estilo, lhes dei as bênçãos nupciais do Ritual Romano, do que fiz este assento. O vigário Amaro José de Carvalho.
O registro acima é um daqueles onde faltam algumas informações importantes como, por exemplo, a naturalidade dos nubentes e onde moram. Esse registro me chamou a atenção, por conta de dois nomes: João Martins Ferreira e Delfina Maria dos Prazeres. Nas minhas pesquisas anteriores, João Martins Ferreira, Capitão, era o nome do pai de José Martins Ferreira; Delfina Maria dos Prazeres era o nome da mãe dos filhos naturais do José Martins Ferreira.
Primeiramente, em registros isolados, encontrei três filhos naturais de Delfina e José Martins Ferreira. Eram eles José, Josefa e Joaquim. Depois, em uma página só, encontrei repetido esses nomes mais o de Manoel. Esses segundos registros, na verdade, tinham a finalidade do pai reconhecer "para a todo tempo constar" que aquelas crianças eram seus filhos, o que não constava nos registros anteriores, embora citasse o nome do pai. Em nenhum desses documentos apareceu o batismo de um João.
Além de não encontrar, nos registros anteriores, o de Manoel, havia algumas divergências entre os primeiros documentos e os segundos. Enquanto nos segundos os batismos foram todos em Macau, nos primeiros as localidades eram diferentes. José, na Capela de Nossa Senhora da Conceição de Guamaré; Josefa, na Capela de Nossa Senhora da Conceição da Ilha de Manoel Gonçalves, e somente Joaquim na Capela de Nossa Senhora da Conceição de Macau. Houve, também, divergências nas datas de batismo e nascimento de Joaquim. Para o nascimento, diferença de dois dias, para o batismo, de quatro dias. Quanto a José Martins Ferreira, no batismo de José, ele aparece como Alferes.
Outro detalhe, nessas repetições de documentos, é com relação a Delfina Maria. Nos primeiros documentos, seu nome era Delfina Maria dos Prazeres, enquanto nos segundos, em alguns registros aparece Delfina Maria da Conceição. O detalhe mais interessante sobre Delfina está no registro de Joaquim, onde consta que José Martins Ferreira era solteiro, e ela casada.
Esse João que casou com Anna Maria de Jesus, em Touros, tinha toda chance de ser mais um filho de José Martins e Delfina Maria. Para se pesquisar sobre os Martins Ferreira, buscamos as freguesias de Macau, Angicos, Açú e Santana do Matos. Não encontrei o registro de batismo de João, e nem o reconhecimento por parte do pai. Entretanto, para confirmar nossa hipótese de ser um filho natural de José e Delfina, ele reaparece com o nome João Alves Martins, que explico mais adiante porque. Vejamos alguns registros dos filhos dele.
O primeiro registro que encontrei foi de Manoel, batizado em 6 de Janeiro de 1857, filho de João Alves Martins e Anna Maria de Jesus, moradores nas Cacimbas, e batizado na Capela de Nossa Senhora do Rosário, tendo como padrinhos Manoel José Martins e Josefa Clara Martins, casados; depois encontrei o batismo de Francisca, em 13 de fevereiro de 1859, filha de João Alves Martins e Maria de Jesus (acredito que escapuliu o primeiro nome, Anna), tendo como padrinhos Joaquim José Martins e Prudência Teixeira Martins; por fim, apareceu o batismo de Antonio, (nascido em 14 de Março de 1860), e batizado em 17 de Agosto do mesmo ano, filho de João Alves Martins e Anna Maria de Jesus, tendo como padrinhos Manoel José Martins e Isabel Cândida Martins Ferreira, por procuração de Anna Theodora Martins Ferreira;
Os padrinhos ManoelManoel e Joaquim, de José Martins Ferreira e Delfina Maria dos Prazeres.
Quando o Major José Martins Ferreira casou com Josefina Maria Ferreira, possivelmente, em 1835, colocou o nome de dois filhos desse casamento, José e João. Assim para diferençar dos naturais, eles tinham alterações nos sobrenomes; os naturais eram José Alves Martins e João Alves Martins e os 'legítimos" José Martins Ferreira e João Martins Ferreira. Por isso, que o nubente trocou o sobrenome.
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