domingo, 6 de setembro de 2015

A Carta de Américo Vespúcio



Copiada por João Felipe da Trindade
Natal, RN
Do livro “O Brasil de Américo Vespúcio”, de autoria de Riccardo Fontana, Editado pela UnB, extraímos uma carta que interessa a todos norte-rio-grandenses. Ricardo, italiano de naturalidade, casou-se com uma brasileira e veio morar no Brasil. 

Nessa carta a confirmação da posse das terras para o Rei Dom Manuel, que se realizou com o famoso Marco de Touros, que se encontra, hoje, na Fortaleza dos Reis Magos. Mais ainda a história trágica do canibalismo dos nossos índios. Vale a pena ler uma carta escrita de próprio punho por quem esteve aqui na nossa Costa. Aliás, essa foi a segunda vez que andou pelo Rio Grande do Norte, sendo a primeira patrocinadas por Dom Fernando de Castela.

Encontrava-me em Sevilha para descansar de minhas tão grandes fadigas que tinha afrontado nestas duas viagens feitas para o sereníssimo rei Fernando de Castela nas Índias Ocidentais, e com vontade de voltar à terra das pérolas, quando o destino, não contente com as minhas tribulações, não sei como pôs na mente deste sereníssimo rei dom Manuel de Portugal querer  servir-se de mim. Estando em Sevilha sem absolutamente imaginar ir a Portugal, chegou a mim um mensageiro com uma carta de sua Real Coroa, onde me rogava que viesse a Lisboa falar com Sua Alteza, prometendo oferecer-me recompensa. Fui aconselhado a que não fosse, mandei de volta o mensageiro dizendo que estava mal e que, quando me tivesse restabelecido, Sua Alteza, poderia então contar com os meus serviços e faria quanto me ordenasse. Visto que não podia contar comigo, decidiu mandar-me Giuliano di Bartolomeu di Giocondo, residente em Lisboa, com a missão de levar-me de qualquer maneira. O dito Giuliano veio a Sevilha e, por causa de sua vinda e dos seus rogos, fui forçado a vir, de forma que a minha partida foi mal interpretada por quantos me conheciam, pois partia de Castela onde recebera honrarias e o rei me tinha em boa conta; e a coisa pior foi que parti como hóspede sem ser saudado. Apresentando-me diante deste rei,k ele mostrou ter prazer com a minha vinda e pediu-me que partisse com três navios seus que estavam prontos para ir descobrir novas terras. E como o pedido de um rei é uma ordem, tive de consentir em quanto me rogava.

Zarpamos deste porto de Lisboa com três navios de reconhecimento, no dia 13 de maio de 1501, e tomamos nossa derrota diretos à ilha da Grande Canária e passamos, sem desembarcar, à vista dela e dali seguimos costeando a orla da África pela parte ocidental. Nesta cosa nos entregamos à pesca de uma espécie de peixes chamados pargos; ali nos detivemos por três dias e seguimos para costa da Etiópia (África negra),  para um porto que se chama Beseneghe (Dacar, Senegal), que se encontra dentro da zona tórrida, sobre o qual o Polo Setentrional se eleva a 14º e meio, estando situado no primeiro clima; ali ficamos onze dias reabastecendo-nos de água e lenha. Com efeito, a minha intenção era navegar para o austro atravessando o golfo (oceano) Atlântico. Partimos deste porto da Etiópia e navegamos com vento sudoeste tomando (a direção) de uma quarta de meio-dia, de modo que, em 97 dias chegamos a sua terra que se encontrava a setecentas léguas para sudoeste do dito porto. Durante esses 97 dias deparamos com o pior tempo que mal poderia enfrentar quem navega no mar, por causa de muitos aguaceiros, redemoinhos e tormentas que nos aconteceram, pois viajamos numa estação muito adversa, devido ao fato de a característica da nossa navegação ser continuamente paralela à linha equinocial (onde no mês de junho é inverno) e descobrimos que o dia era igual à noite e que a sombra era contínua para o sul. Prouve a Deus mostrar-nos uma nova terra, o que ocorreu no dia 17 de agosto (1501). Ali ancoramos à distancia de meia légua, arriamos os nossos batéis e fomos ver se a terra era habitada e por qual tipo de gente. Descobrimos que era habitada por gente pior que animais. Contudo, poderás entender que no começo não vimos, mas percebemos bem que era habitada graças a muitos indícios que se viam. Tomamos posse daquela (terra) por aquele sereníssimo rei. Achamos que era uma terra muito amena, verdejante e de boa aparência. Encontrava-se a 5º par lá da linha equinocial rumo sul e, por isso, não retornamos aos navios e, por termos grande necessidade de água e lenha concordamos em voltar a terra no dia seguinte para nos abastecermos do necessário. Estando em terra, avistamos gente no alto do monte que (nos) observava sem ousar descer, pois estavam nus e tinham a mesma cor e feições dos outros descobertos nas viagens passadas por mim para o rei de Castela. 

Esforçamo-nos com eles para que viessem falar conosco, mas jamais conseguimos tranquilizá-los, tanto que não tiveram confiança em nós. Dada a sua obstinação (e por já ser tarde), voltamos aos navios, deixando-lhes em terra muitos guizos, espelhos e outras coisas à vista deles.

Quando chegamos alto-mar, desceram do monte e vieram (buscar) as coisas que deixamos para eles, mostrando ter grande maravilha. Nesse dia, somente nos abastecemos de água.

Na manhã seguinte, vimos dos navios que a gente fazia muita fumaça em terra, pensamos que nos chamavam, fomos a terra e ali comprovamos que tinham vindo muitas tribos e, não obstante, permaneciam distantes de nós e faziam acenos para que seguíssemos com eles para o interior. Por isso, dois dos nossos cristãos vieram rogar ao capitão que lhe desse licença para correrem  o risco de ir com eles a terra a fim de observarem que gente era e se possuía alguma riqueza ou especiarias ou drogas. Tanto instaram que o capitão foi convencido (a deixá-los ir). Tendo recolhido muito material de resgate, partiram com instruções de não demorarem mais de cinco dias em voltar, pois só por esse período os iríamos esperar.

Encaminharam-se para terra e nós ficamos esperando por eles nos navios. Quase todo dia vinha gente à praia, mas não queriam nos falar. No sétimo dia, fomos a terra e notamos que haviam trazido suas mulheres, e, mal desembarcarmos, os homens daquela terra mandaram muitas delas falar conosco, e visto que não se fiavam em nós, decidimos mandar-lhes um homem dos nossos que era jovem muito oferecido, e nós, para ajudá-lo, entramos nos batéis e ele caminhou em direção às mulheres. Chegando junto delas, rodearam-no, tocando-o e olhando-o e fazendo cara de espanto. Enquanto isto acontecia, vimos uma mulher descer do monte trazendo na mão um grande pau; mal chegou aonde estava o nosso cristão veio atrás dele e, levantando o pau, deu-lhe uma pancada tão violenta que o estendeu morto por terra. Imediatamente as outras mulheres o agarraram pelos pés e o arrastaram para o monte, e os homens desceram à praia e com os seus arcos começaram a atirar-nos setas, infundindo tanto medo em nossa gente (os batéis estavam encalhados em bancos de areia) que, devido às inúmeras setas que se cravavam nos batéis, ninguém conseguia pegar em armas. Não obstante, disparamos contra eles quatro tiros de bombarda, mas sem os atingir. Porém, ouvindo o estrondo, fugiram todos para o monte onde estavam as mulheres despedaçando o cristão e assando-o à nossa vista numa grande fogueira que tinham feito, mostrando os diversos pedaços e comendo. Os homens, por sinais, queriam explicar como haviam morto e devorado os dois, o que muito nos angustiou. Ver com os nossos olhos a crueldade que fazia com o morto foi para todos nós uma injúria intolerável.

Mais de quarenta dos nossos tinham intenção de desembarcar e vingar uma tão cruel morte e um ato bestial e desumano, mas o capitão-mor não quis permitir e nós ficamos cheios de tanta raiva que nos afastamos daquela gente com má vontade e envergonhando-nos muito do nosso capitão.

Partimos desse lugar e iniciamos a nossa navegação entre levante e sueste, e assim íamos costeando e fazendo muitas escalas, sem encontrar mais gente com que quiséssemos conversar. Navegamos tanto que notamos que a terra fazia a volta para sudoeste. Mal dobramos um promontório ao qual demos o nome de cabo de Santo Agostinho, começamos a navegar para sudoeste.

Este promontório dista da referida terra que vimos, onde mataram os cristãos, 150 léguas para levante; e este mesmo promontório encontra-se 8º além da linha equinocial para sul.

Enquanto navegávamos, avistamos um dia muita gente que estava na praia admirando a beleza dos nossos navios, continuando a navegar fomos em sua direção, ancoramos num bom local, desembarcamos com batéis e notamos que esta gente era de melhor nível que a precedente. Embora custasse domesticá-la, fizemos amizade e negociamos com ela. Permanecemos neste lugar cinco dias e ali achamos cássia muito grossa, verde e seca (de altura superior) ao cume das árvores. Decidimos levar dois homens deste lugar, a fim de nos ensinarem a língua; vieram três deles, de livre vontade, para irem a Portugal.

Já cansado de tanto escrever, saiba que partimos deste porto navegando sempre para sudoeste à vista de terra, fazendo continuamente muitas escalas e falando com numerosa gente.

Andamos tanto em direção ao sul que já estávamos para além do Trópico de Capricórnio, onde o Polo Meridional se eleva 32º acima do horizonte. Já havíamos perdido completamente a Ursa Menor, e a Maior aparecia muito baixa e quase se mostrava no limite do horizonte, orientando-nos pelas estrelas do outro Polo Meridional, que são numerosas e bastante maiores e mais brilhantes que as do nosso polo.

Desenhei as figuras da maior parte delas e sobretudo das de primeira e maior grandeza, com a descrição de seus círculos que faziam em torno do Polo Austral e com a descrição de seus diâmetros e semidiametros, como se poderá ver nas minhas Quatro Jornadas.

Percorremos cerca de 750 légua desta costa, ou seja 150 do cabo de Santo Agostinho para o poente, e seiscentos para o sudoeste.

Se quisesse relatar  de novo as coisa que vi nesta costa e aquilo por que passamos, não me bastariam outras tantas folhas.

Nesta costa não vimos coisas preciosas, salvo infinitas árvores de verzino e de cássia e as que produzem a  mirra, e outras maravilhas da natureza que não se podem contar. E sendo já transcorridos dez meses de viagem, e visto que nesta terra não achamos nenhum minério, decidimos afastar-nos dela e seguir, enfrentando o mar em outra parte.

Feita a nossa reunião, foi deliberado que se continuasse aquela navegação que me parecesse oportuna, e foi-me confiado o comando total da armada. Ordenei então que toda a tripulação da frota fizesse reabastecimento de água e de lenha para seis meses, sendo este o período que os oficiais dos navios julgaram possível navegar com tais aprovisionamentos.

Terminado o reabastecimento nesta terra, começamos a nossa navegação para sueste, sendo o dia 15 de fevereiro (1502), quando o Sol se ia avizinhando do equinócio e voltava para este nosso Hemisfério Setentrional. E tanto navegamos com este vento que nos distanciamos tanto que o Polo Meridional se erguia bem a 52º fora do nosso horizonte. E não víamos mais nem as estrelas da Ursa Menor nem as da Ursa Maior. Estávamos já distantes do porto de onde partimos umas quinhentas léguas para sueste, e isto ocorreu no dia 3 de abril. Nesse dia começou no mar uma tempestade tão violenta que nos fez amainar todas as nossas velas, que corriam sobre a árvore nua com muito vento, que era sudoeste com enormes ondas. E o ar estava muito tormentoso e a tempestade era tão forte que toda a frota tinha um grande temor. As noites eram muito longas, tanto que no dia 7 de abril tivemos uma noite que durou quinze horas, pois o Sol se encontrava no final de Áries e nesta região era inverno, como bem podes avaliar.

Prosseguindo nesta tempestade, no dia 7 de abril avistamos uma nova terra, que percorremos por cerca de vinte léguas e observamos que toda ela era uma costa selvagem e não achamos nenhum porto ou população. Julgo que por ser o frio tão intenso nenhum membro da tripulação conseguia encontra defesa ou suportá-lo. De modo que, vendo-nos em tamanho perigo tormenta que mal se podia enxergar, de um para outro navio, por causa das grandes ondas que se formavam e pela forte cerração, decidimos junto com o capitão-mor fazer sinal à frota para que nos alcançasse e nos afastássemos da terra e tornássemos a caminho de Portugal.

Foi uma ótima decisão. Pois certamente, se tivéssemos demorado mais aquela noite, estaríamos perdidos. Com efeito, como recebêssemos o vento de popa, nessa noite e no dia seguinte, voltou tão forte a tormenta que estivemos em dúvida de nos perder e tivemos de fazer ritos e outras cerimônias, como é uso dos marinheiros em tais aflições. Navegamos por cinco dias e, como quer que seja, íamos nos aproximando da linha equinocial e com um tempo e mar mais moderados, e prouve a Deus pôr-nos a salvo de um tão grande perigo. A nossa navegação era com vento entre norte e nordeste, visto que a nossa intenção era ir reconhecer a costa da Etiópia, já que estávamos distante dela 1300 léguas, no golfo do mar Atlântico e, com a graça de Deus, a 10 de maio  alcançamos uma terra a sul que se chama Serra Leoa, onde permanecemos quinze dias concedendo-nos um pouco de restauro. Daqui partimos tomando nosso rumo às ilhas dos Açores, distantes daquele lugar de Serra Leoa cerca de 750 léguas, e chegamos às ilhas no fim de julho, onde ficamos outros quinze dias desfrutando de algum repouso. Dali partimos para Lisboa, de onde distávamos mais de trezentas léguas para ocidente, e entramos neste porto de Lisboa no dia 7 de setembro de 1502 sãos e salvos, graças a Deus, somente com dois navios, pois o outro o queimamos na Serra Leoa, por não poder mais navegar. Levamos nesta viagem cerca de quinze meses, durante os quais navegamos sem ver a estrela do Norte ou a Ursa Maior e Menor, que se chamam de chifre, orientando-nos pelas estrelas do outro polo. Isto foi o que eu vi nesta viagem ou jornada feita para o sereníssimo rei de Portugal.


Marco da Posse de Portugal, trazida por Américo Vespúcio

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Natal, o patinho feio




. João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Matemático, sócio do IHGRN e do INRG.
Jerônimo de Albuquerque, quando recebeu a Fortaleza dos Reis Magos, tinha uma missão a cumprir: apaziguar os índios a fim de se poder instalar a cidade do Rio Grande. Em 25 de dezembro de 1599, dia do Natal de Jesus Cristo, a nossa cidade foi inaugurada.
Mas o berço da nossa cidade parece que não atraia as pessoas que vinham para cá, tendo muitas delas moradias nas redondezas. Os relatos dos nossos visitantes do passado não eram nada elogiosos, começando com Nassau, que já encontrou a cidade destruída pelos embates aqui travados, e sem nenhuma melhoria por parte de seus comandados. Alguns moradores solicitaram na época da presença dos batavos por aqui a construção de uma nova cidade. Tollenare e Koster também não fizeram nenhum elogio maior nas suas anotações.
Em um dos relatórios dos holandeses sobre o Rio Grande, estava escrito: Já teve uma cidade chamada Cidade do Natal, situada a uma légua e meia do Castelo Ceulen, rio acima, mas está totalmente arruinada, pelo que foi consentido aos escabinos e moradores levantar uma nova cidade em Potigi, pois é terreno fértil e melhor situado para os seus habitantes. Deverão construir de início um Paço da Câmara para aí terem o seu tribunal de justiça.
Koster, em 1810, quando aqui esteve, escreveu: Cheguei às 11 horas da manhã à cidade do Natal, situada sobre a margem do Rio Grande ou Potengi. Um estrangeiro que, por acaso, venha a desembarcar nesse ponto, chegando nessa costa do Brasil, teria uma opinião desagradável do estado da população nesse País, porque, se lugares como esse são chamados cidades, como seriam as vilas e aldeias? Esse julgamento não havia de ser fundamentado e certo porque muitas aldeias, no Brasil mesmo, ultrapassam  esta cidade. O predicamento não lhe foi dado pelo que é, ou pelo que haja sido, mas na expectativa do que venha a ser para o futuro.
Tollenare, que viveu em Recife, nos anos de 1816 e 1817, escreveu: Natal, conquanto capital, é ainda assaz insignificante; conta apenas 700 habitantes; mas, espera-se que chegará a um alto grau de prosperidade, porque o seu porto, que pode receber navios de 150 toneladas é excelente e próximo das regiões cultivadas.
Sendo um centro de defesa de nossa Costa, o Rio Grande do Norte e sua cidade, não merecera,, por isso, maior atenção, principalmente por sua dependência com a Bahia, Pernambuco e Paraíba.
Mais adiante, ainda no século XIX, quiseram mudar novamente a capital do Rio Grande. É o que encontramos no relatório com que abriu a 1ª sessão ordinária da Assembleia Legislativa Provincial do Rio Grande do Norte o Exmo. Sr. Governador Dr. Henrique Pereira Lucena, no dia 5 de outubro de 1872,  quando falou sobre a construção da estrada de ferro
“No relatório do meu antecessor encontrareis, em apenso, cópia do contrato que em 8 de junho último celebrou com o engenheiro da província João Carlos Greenhalgh e o major Affonso de Paula de Albuquerque Maranhão, em virtude de autorização que lhe foi concedida pela lei nº 630 de 26 de novembro de 1870, para a construção de uma estrada de ferro pelo sistema –Tram-way, que partindo desta capital se dirija ao vale do Ceará-mirim, passando pelo de S. Gonçalo, e de uma ponte de ferro de sistema misto sobre o Rio Potengi no lugar Refóles.
Conquanto o referido contrato esteja somente dependente de vossa aprovação na parte relativa à ponte, todavia  entendo que esta circunstância não impede que o aprecieis sobre todas as suas faces, a fim de verificardes, como é do vosso dever, se nele foram ou não consultados e devidamente protegidos os direitos e interesses  da província, principalmente no tocante à mudança da capital, que já tem preocupado mais de uma administração e ao próprio governo geral, e que em um contrato, como o de que se trata, não devia ser esquecida, mas sim tomada na maior consideração, e sujeita a um detido e refletido exame.
Pelos dados estatísticos que vos tenho apresentado, vê-se que a província do Rio Grande do Norte não é tão pobre, como à primeira vista parece, e compreende-se facilmente que em um futuro mais ou menos remoto que sejam removidas as causas primordiais do atraso de sua agricultura e comercio, facilitando-se-lhe, além disso, os meios de transporte, de que tanto precisa.
Posto que com mais de 80 léguas de costa arenosa e estéril possui ela, no entanto, terrenos de uma fertilidade assombrosa, apropriados à cultura de cana do açúcar, fumo, algodão e mesmo do café, que produz maravilhosamente nos lugares denominados – Extremoz e Arêz.
A exportação do açúcar e do algodão faz-se já em larga escala, competindo o primeiro desses produtos, muito superior ao da Paraíba, com o de Pernambuco, nos mercados estrangeiros;  outranto, porém, não pode dizer-se do fumo, que muito mal cultivado, é ainda pessimamente preparado, assim como do café, cuja cultura nem ao menos foi ensaiada.
É realmente para admirar, que uma província, que noutras áreas adquirira os foros de criadora, e que no tempo da guerra da restauração holandesa servia de celeiro à cidade do Recife, que ela extraía o gado e farinha de mandioca, de que precisava para sustento de sua população faminta, mande hoje aos talhos de sua capital número mais que limitado de gado bovino, magro, cansado e por preço elevadíssimo, chegando a importar diretamente das província limítrofes e algumas vezes mesmo do Rio de Janeiro a farinha precisa para seu consumo.
Além da geral incúria e falta de iniciativa de seus habitantes (é forçoso dizê-lo), cumpre apontar como uma as principais causas desse estado desanimador, em que se acham todas as fontes de produção e riqueza da província, a péssima posição topográfica de sua capital, o pior lugar, sem contestação alguma de toda a província, quer como cidade igual a outras do interior, quer como sede principal da autoridade e centro produtor donde se irradiem para as extremidades a civilização, comércio, indústria e artes.
Situada na margem direita do Potengi, ou Rio Grande, a uma légua pouco mais ou menos de sua foz, acha-se a cidade do Natal, por assim dizer, comprimida e asfixiada, do lado do Sul e Leste por alteroso morros de areia, mais ou menos movediça e improdutiva, e do lado de Este por um longo e imenso lençol d’água, que para o oceano conduz o Potengi.
O seu pequeno comércio acha-se inteiramente avassalado ao da praça de Pernambuco, e mais ou menos sujeito ao de algumas povoações circunvizinhas, onde a facilidade do transporte tem tornado mais cômodo e menos dispendioso o tráfico mercantil.
É-lhe pouco abundante a água potável, e faltam-se absolutamente as estradas regulares e fáceis que a ponham em comunicação com o interior da província  da qual se acha, por assim dizer sequestrada.
No exterior, em um raio de mais de duas léguas quase nenhuma cultura; no interior causa dó ver as suas ruas estreitas e tortuosas, compostas ela mor parte de palhoças, cercadas de matos, verdadeiras capoeiras, e de imundícies.
A ideia, pois, da transferência da capital para um outro local, para a planície denominada –Carnaubinha, por exemplo, fronteira a Guarapes, é por demais transcendente e de necessidade indeclinável, visto ser o único ponto conhecido que mais vantagens oferece para isso.
O lugar ali é inteiramente plano na extensão de uma a duas léguas quadradas; indo suave e gradualmente subindo para o interior das terras, a ponto de se tornar quase insensível o pendor do terreno. Acham-se à pequena distância, quase à mão, o barro, a areia, a cal e a madeira necessária para a construção, além de sofrível pedra de cantaria e pedra própria para o calçamento à meia légua pouco mais ou menos de distância. Possui considerável abundancia d’água potável da melhor qualidade, notando-se uma lagoa ou poço na Carnaubinha, uma fonte d’água cristalina e dois fortes riachos perenes em Guarapes, além do caudaloso rio Pitimbú, que corre à menos de uma légua distante; o Cajupiranga não menos caudaloso, poucas braças mais longe, e entre ambos a formosíssima lagoa Parnamirim.
Mudando para aquele lugar a capital, e lançada sobre o rio uma pequena ponte de madeira que, quando muito poderá custar uns 20:000$000, ficará a cidade admiravelmente situada, e para melhor me exprimir, colocada no centro de um vasto perímetro constelado de cidades e povoados mais ou menos distantes, tais como S. José e Ceará-mirim à cinco léguas, aproximadamente, cada uma com estradas traçadas em terreno plano e consistente; Extremoz, com sua extensa e piscosa lagoa; S. Gonçalo, Macaíba, Santo Antonio, Utinga, Ferreiro Torto e Pitimbú; e finalmente a cidade do Natal a três léguas por água, podendo muitas dessas povoações servi-lhe  de arrabaldes.
Além disso, convém notar que o tráfico mercantil em Guarapes, em tempo em que ali ainda residia o major Fabrício, lutou com vantagem  com o do Natal e sobrepujou o da Macaíba, apesar de ser Fabrício negociante único naquele lugar; afluindo de todos os lados compradores  aos seus armazéns, até mesmo do sertão da Paraíba e desta capital.
Como sabeis, da sua foz até o ponto de Guarapes, forma o Potengi uma verdadeira doca natural de mais de três léguas de extensão, e de profundidade mais ou menos considerável, servindo-lhe de segundo quebra-mar a ponta do morro e os bancos de areia denominados – As velhas - , fronteiros ao porto da Redinha; o que o torna de incontestável superioridade sobre o da Paraíba, e quiçá sobre o de Pernambuco, embora careça de melhoramentos.
Com uma profundidade variável de 3 a 7 pés acomodou o porto Guarapes por vezes galeras de mais de 500 toneladas de arqueação. Somente no exercício de 1869 a 1870 carregaram naquele porto para fora do Império vinte navios de diferentes lotações; ombreando desta forma com o porto do Natal, que dentro do mesmo período carregou vinte e um.
Como vereis pelo mapa, em apenso, a diferença entre as medidas dos carregamentos dos dois sobreditos portos nos dez últimos exercícios andou por 27/10 % (?); diferença que só por aí constitui um dos melhores argumentos a favor do Guarapes, principalmente se atender-se que até 1868 a casa comercial Fabrício & C. lutou com sérios tropeços, que posteriormente foram removidos, e que no penúltimo exercício de 1870 a 1871 resolveu ela acabar com todo o negócio por motivo de moléstia de seu proprietário.
Com relação à estrada de ferro contratada, a primazia de Guarapes sobre Natal não sofre discussão.
O capital orçado para a estrada de que se trata, é de 800:000$000 e a garantia que a província tem de pagar anualmente, na razão de 6% é de 48:000$000. Ora, se a capital for transferida para Guarapes a estrada custará apenas metade da quantia orçada, isto é, 400:000$000, descendo também a garantia à metade, que vem a ser 24:000$000. A ponte no porto do Natal, segundo o contrato, custará 250:000$000, enquanto que a que se fizer no de Guarapes não excederá talvez de 20:000$000.
Ainda com relação a ponte, nota-se que não devendo ela ser movediça, mas sim fixa, segundo o contrato, a navegação do rio por vapores e navios de alto bordo, na distância de três léguas, se tornará impossível; porquanto o rio ficará literalmente fechado para tais embarcações; inconveniente este que não se dará no porto de Guarapes, porque, desse ponto para cima, o rio só pode ser navegado por barcaças e canoas.
Considere-se mais, que a estrada de ferro devendo acompanhar uma as margens do rio, e sendo ambas alagadas, incultas e desabitadas, nenhum lucro dará aos empreiteiros ou à companhia, que se organizar, principalmente nos primeiros dez ou vinte anos; além de que quase todos os produtos  que atualmente tem saída pelo porto da Macaíba continuarão a vir por água para esta cidade,  por ser esta espécie de transporte mais cômoda e barata. Colocada, porém, a capital em Guarapes, e devendo dali partir a estrada de ferro, esta percorrerá uma zona toda povoada e cultivada, e nenhuma concorrência sofrerá da parte do rio para o transporte das mercadorias, que tiveram de ser conduzidas àquele mercado.
Eis, Senhores, o que me cumpria dizer-vos com referência a um assunto de tanta magnitude, e a que se liga tão estreitamento o futuro da província. Considerai, que são já 273 anos que a cidade do Natal é a capital da província. E que o seu aspecto é o de uma vila insignificante e atrasadíssima do interior.
Considerai, que a província é um corpo sem cabeça, e que é devido exclusivamente a esta circunstância que ela se conserva à retaguarda de todas as suas irmãs.
Cumpre arrancá-la desse estado de abatimento e de torpor. Não vos entregueis à inércia e ao indiferentismo, ao contrário, reagi com todas as vossas forças contra estas duas traças destruidoras de todo o progresso.



quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Família Maranhão, alguns apontamentos.




João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Matemático, sócio do IHGRN e do INRG.

Este ano de 2015 é o centenário do nascimento de Djalma Maranhão. Há certo tempo, tenho recebido muitas indagações sobre a ascendência dele. Infelizmente, não tenho encontrado documentos que possam comprovar os elos entre ele e a família Albuquerque Maranhão. Há indícios dessa ligação mas não tive acesso aos registros que indiquem quem é o pai de Luiz Ignácio Maranhão, avô de Djalma e de Luiz Ignácio Maranhão Filho. Nada encontrei sobre isso nos trabalhos do incansável Câmara Cascudo. Enquanto isso, continuo pesquisando. Agora, trago alguns registros encontrados sobre alguns membros da família Albuquerque Maranhão e da família de Djalma.

De início, lembramos de dois filhos famosos de Jerônimo de Albuquerque Maranhão: Antonio de Albuquerque Maranhão e Mathias de Albuquerque Maranhão, ambos contemplados, duas vezes, com sesmarias aqui no Rio Grande do Norte, pelo pai, uma nas Salinas do Norte, 40 léguas de Natal, e a outra na Várzea de Cunhaú. Nessa família, ao longo dos tempos, muitos nomes se repetiram, gerando algumas confusões. Nas genealogias já escritas temos que Mathias gerou Affonso e Affonso gerou Gaspar.

Dos registros mais antigos da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, encontramos as informações que se seguem.

Aos três de outubro de 1693, em a Capela de Nossa Senhora da Purificação, batizou o Padre Jerônimo de Albuquerque, da Companhia de Jesus, a Mathias (mesmo nome do avô) filho do capitão Affonso de Albuquerque Maranhão, e de sua mulher D. Izabel Pacheca. Foram padrinhos Pedro de Albuquerque e D. Apolônia. Do que fiz este assento, em que me assino. Basílio de Abreu e Andrade.

O capitão Affonso de Albuquerque Maranhão aparece como padrinho, aos 10 de junho de 1688, na Capela de Santo Antonio, de Bonifácio da Rocha Vieira, filho do capitão Theodósio da Rocha e de sua mulher D. Antonia; Em 3 de dezembro de 1690, na Capela de Cunhaú, o Mestre de Campo, Antonio de Albuquerque da Câmara e D. Apolônia, foram padrinhos de um filho de Lúcia de Barros; e a 30 de setembro de 1694, na Capela de Cunhaú, João de Albuquerque Maranhão foi padrinho de Domingos, filho de André Soares e de sua mulher Helena Lima. 

Já no século XVIII, encontramos que: Luiza, filha legítima de Mathias de Albuquerque Maranhão, natural da Freguesia de Goianinha e de Antonia Lopes Ribeiro, natural da cidade da Paraíba, neta pela parte paterna de Feliciano de Albuquerque Maranhão, natural da Paraíba, e de Francisca Mendes da Sylva, natural da Freguesia Nossa Senhora dos Prazeres de Goianinha e pela materna de Francisco Moreira da Sylva e de Maria Páscoa de Souza, naturais da cidade da Paraíba, nasceu aos treze de março do ano de 1770, e foi batizada com os Santos Óleos, de licença minha, nesta Matriz, pelo Padre Coadjutor Bonifácio da Rocha Vieira, aos cinco de maio do dito ano; foram padrinhos o Sacristão Francisco Álvares de Mello, solteiro, e Thereza Antonia de Aguiar, filha de Cosma Damiana.  Do que mandei fazer este assento em que me assinei. Pantaleão da Costa de Araújo. Vigário do Rio Grande.

Na parte das patentes vamos encontrar outras informações que confirmam elos entre membros da família Maranhão.

Aos 23 de outubro de 1750, foi passada pelo capitão-mor Francisco Xavier de Miranda Henriques a Gaspar de Albuquerque Maranhão, fidalgo de Sua Majestade, neto do grande Mathias de Albuquerque Maranhão, como consta da carta, a patente de capitão-mor das Ribeiras de Cunhaú e Goianinha.

Em 20 de maio de 1785, foi passada, em Lisboa, foro de Fidalgo Escudeiro para André de Albuquerque, da capitania da Paraíba do Recife de Pernambuco, filho de Gaspar de Albuquerque Maranhão e neto de Affonso de Albuquerque Maranhão. Este André de Albuquerque Maranhão gerou um filho de mesmo nome, que participou da Revolução de 1817, tendo sido assassinado nesse mesmo ano quando estava à frente do governo do Rio Grande do Norte.

Em 1785, encontramos André de Albuquerque Maranhão como administrador dos títulos de cobrança das miunças da Ribeira de Apodi.

Em 22 de abril de 1859, nascia Firmina, filha do Doutor Antonio Felippe de Albuquerque Maranhão e Firmina Leopoldina de Albuquerque Maranhão, moradores em Belém, tendo sido batizada aos 9 de abril de 1860 em Papari, tendo como padrinhos o Comendador André de Albuquerque Maranhão e Dona Felippa de Albuquerque Maranhão Junior.

Em 27 de abril de 1860, em Papari, encontramos como padrinhos Ignácio de Albuquerque Maranhão Junior, juntamente com Dona Firmina Leopoldina de Albuquerque Maranhão.

Da família de Djalma, já encontramos os registros que se seguem.

Aos dezesseis de maio de mil novecentos e dezoito, na Sé, de minha licença, o Padre Antonio Ramalho batizou, solenemente, Cloves (Clóvis), nascido a 21 de dezembro de 1917, filho de Luiz Ignácio Maranhão e Maria Salomé Maranhão. Foram padrinhos Antonio Moreira Silva e Adélia Augusta Moreira Silva. Do que mandei fazer este termo que assino. Mons. Alfredo Pegado, encomendado da Freguesia.

Aos 12 de agosto de 1923, nascia em Ceará-mirim, Cândida de Carvalho Maranhão, filha de Luiz Ignácio Maranhão e Maria Salomé de Carvalho, tendo sido batizada  aos 25 de março de 1924, na Catedral, sendo padrinhos João Severiano da Câmara e Maria Gomes da Câmara, por seus procuradores Josué Felismino de Albuquerque Maranhão e esposa. Sobre esse Josué não encontrei maiores informações.

Aos 25 de janeiro de 1921, nascia em Natal, Luis Ignácio Maranhão, filho de Luis Ignácio Maranhão e Maria Salomé Maranhão, tendo sido batizado na Catedral aos dois de janeiro de 1922, tendo com padrinhos Dr. Alfredo Lyra e Nethercia Maranhão. Segundo esse registro, ele casou em 1956, na Igreja Santa Terezinha, com Odette Rosalli de Amorim Garcia.

Não encontrei o batismo de Djalma, nem o de Netércia. Até agora só encontrei um registro de filho de Djalma Maranhão: A dezoito de novembro de mil novecentos e quarenta e cinco, nesta matriz de Nossa Senhora da Apresentação de Natal, o Reverendo Coadjutor Padre Benedito Basílio Alves batizou solenemente Lamarck, nascido a oito de agosto de mil novecentos e quarenta e cinco, à rua Jundiaí, 690, residência dos pais, filho legítimo de Djalma Maranhão e de sua esposa Dária Cavalcanti Maranhão, ele funcionário público, ela doméstica; avós paternos Luz Ignácio Maranhão e Maria Salomé de Carvalho Magalhães; e materno de Augusto de Souza e Leopoldina Galvão de Souza, padrinhos Rui Moreira Paiva, comerciante, e esposa D. Maria do Carmo Almeida Paiva, Av. Rodrigues Alves, 410, e para constar mandei lançar este termo que assino. Monsenhor José Landim.

Na publicação “Personalidades da História do RN”, aparece, como um avô de Djalma, um importante senhor de engenho  de São José, Joaquim Felismino de Albuquerque Maranhão, mas nada encontrei até agora sobre esse senhor.

Este artigo será atualizado sempre que encontramos mais informações sobre os familiares de Djalma Maranhão