terça-feira, 27 de novembro de 2012

As Raposas da Câmara




João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
Antes de vir para cá, em 1612, como governador e capitão geral do Brasil, Gaspar de Sousa recebeu uma carta de Filipe, Rei da Espanha e Portugal com várias recomendações, entre as quais a de nº 10 que dizia:
Sou informado que por a povoação da capitania do Rio Grande ir em crescimento e não haver nela modo de governo nem quem administrasse a justiça e haver disso alguma queixa, e os capitães estarem absolutos, nem haver escrivão com que se pudesse agravar e apelar deles para a Relação, nem se puderem remediar as coisas que faziam mal feitas, o governador Dom Diogo Menezes com parecer da Relação ordenou que houvesse ali um juiz, um vereador, um procurador do conselho e escrivão da câmara e um tabelião e assim um provedor da fazenda, que era cargo que os capitães serviam e em que havia inconvenientes para minha fazenda, os quais ofícios proveu sem ordenado dela e que lhe não é necessário havendo câmara formada, conselho e oficiais a quem se possa recorrer e que com isto se acode ao remédio do povo e dos soldados por os capitães lhe acudirem com seus soldos pelo miúdo vendendo-lhe suas mercadorias como querem e por preços excessivos e depois recolherem suas praças ficando os soldados sem remédio, que é a causa porque pedem que se lhe mandem fazer suas pagas a dinheiro; e porque convém ter mais particular notícia do que nisto há e se deve guardar a ordem que o dito governador deu ou alterar se em alguma forma, vos encomendo me aviseis de tudo com vosso parecer.
A partir dessa data o absolutismo dos capitães-mores ficou menor e houve muitos embates entre eles e o Senado da Câmara. Mas o tempo foi passando e, atualmente, o poder legislativo e o executivo se unem para os benefícios de cada um. A troca de favores garante a famigerada governabilidade, e os mensalões ou similares se espalham pelo país. As negociações se dão tanto através dos presidentes dos poderes legislativos como através de cada membro desses poderes.
Aqui em Natal, além de cargos comissionados distribuídos entre alguns vereadores da base de apoio, havia também a prática de entregar a Companhia de Serviços Urbanos-URBANA, ao presidente da Câmara de vereadores.
Mas surgiu outra combinação mais nociva ao poder executivo: os convênios de cessão de servidores da Câmara para a Prefeitura. Por ele, vários servidores são “cedidos” à Prefeitura, e distribuídos por várias Secretárias Municipais com ônus para estas últimas. Essas cessões são muitas vezes fictícias, pois diversos servidores continuam trabalhando na Câmara ou não trabalhando em canto nenhum.
Quem acessar o Portal da Transparência da Prefeitura vai poder constatar esse absurdo. Este mês a Prefeitura, finalmente, disponibilizou na internet a relação dos servidores com os seus salários e lotação. É lá que encontramos servidores da Câmara recebendo pela Prefeitura, enquanto centenas de servidores terceirizados ou fornecedores estão sem receber um vintém.
Esse tipo de convênio penaliza a administração municipal e favorece financeiramente a Câmara. Com a sobra de recursos que advém do uso desse convênio, a Câmara pratica outras ações que beneficiam todos os vereadores.
Hoje é fácil entender porque a Prefeita da cidade tinha índices altíssimos de desaprovação e, ao mesmo tempo, uma base aliada invejável. Ao invés de fiscalizar o poder executivo, como era e é para ser, os vereadores, beneficiados pelo poder executivo, foram partícipes do caos administrativo e financeiro que deixou a cidade abandonada em seus serviços mais essenciais.
As eleições para presidência da Câmara estão começando. O vereador Lucena prometeu, pelo que se lê nos jornais desta cidade, que se eleito haverá uma Câmara independente, sem pedir cargos e favores ao novo Prefeito. Diz mais que conta com 19 votos. Não acredito, pois uma prática nociva, de muitos anos não se acaba de uma hora para outra. Além disso, a independência da Câmara não se dá tão somente pela presidência, ela se dá, também, através de cada vereador.
Finalizo com um recado para o Prefeito: o Senhor suspendeu as atividades de algumas Secretarias e exonerou vários cargos comissionados. Cortou também o pagamento dos servidores da Câmara “cedidos” para Prefeitura?