segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A Inquisição de D. Felícitas Uchoa de Gusmão, 1730


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
Nos registros antigos da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, encontramos membros da família Peres de Gusmão. Antes de fazer um artigo sobre essa família, resolvi escrever sobre D. Felícitas, de 48 anos, que morava na Paraíba e foi presa pela Inquisição, acusada de judaísmo, e enviada, a partir de Pernambuco, no navio Triunfo da Fé e Almas, para Lisboa. Era aparentada dos Peres de Gusmão, que viviam por aqui, descendentes do Doutor Dionísio Peres de Gusmão e D. Leonarda Peres de Gusmão. Após o documento inicial, escreveremos sobre a genealogia dela, descrita no processo.
Os Inquisidores Apostólicos contra a herética pravidade e apostasia nesta cidade de Lisboa, e seu distrito, &. c.
Mandam a qualquer familiar, ou oficial do Santo Ofício, que no Forte Velho ou onde quer que for achada Dona Felícitas Peres, cuja qualidade de sangue se não sabe, casada com Luis da Fonseca, natural do Recife de Pernambuco e moradora no Forte Velho a prendais com sequestro de bens, por culpas que contra ela há neste Santo Ofício, obrigatórias a prisão, e presa a bom recado, com cama, e mais fato necessário a seu uso, e a trateis e entregareis, debaixo de chave ao Alcaide dos cárceres secretos desta Inquisição. E mandamos em virtude de Santa Obediência, e sob pena de excomunhão maior, e de quinhentos cruzados para as despesas do Santo Ofício, e de procedermos como mais nos parecer, a todas as pessoas, assim Eclesiásticos ou Seculares, de qualquer grau, dignidade, condição, e preeminência que sejam, vos não impeçam fazer o sobredito, antes sendo por vós requeridos, vos deem todo o favor e ajuda, mantimentos, pousadas, camas, ferros, cadeias, cavalgaduras, barcos, e tudo o mais que for necessário, pelo preço, e estado da terra. Cumpriu assim com muita cautela e segredo, e ao mais não façais.
Dado em Lisboa no Santo Ofício da Inquisição sob nossos sinais, e selo dela, aos cinco dias do mês de julho de mil setecentos e trinta anos. Manoel Rodrigues Ramos os subscreveu.
Das informações genealógicas, constava que ela se chamava Dona Felícitas Uchoa de Gusmão, que era cristã-nova por parte de sua mãe, mas por parte de pai não tinha esta certeza por haver alguma murmuração de ser parte de cristão-novo, casada com Luis da Fonseca Rego, que vivia de suas roças, natural da Freguesia de São Gonçalo de Tapecima (Itapissuma), moradora no Forte Velho, termo da cidade da Paraíba, Bispado de Pernambuco, de quarenta e oito anos de idade.
Eram seus pais Bartolomeu Peres de Gusmão e Dona Antonia de Mendonça Uchoa, não sabia de onde ele era natural, mas foi morador no Recife, e sua mãe junto ao Recife, e moradores na cidade de Olinda.
Seus avós, assim paternos como maternos, eram já defuntos; e os paternos se chamavam João Peres Correa de Gusmão e Leonarda da Costa, também, não sabia a naturalidade, e foram moradores na cidade de Olinda.
Os avós maternos se chamavam Francisco de Faria Uchoa, que foi Senhor de Engenho, e Dona Anna de Lira (esta filha de Antonio Fernandes Pessoa e Maria de Aguiar, tendo se casado antes com Luis da Silva), moradores na freguesia de Egitiá (Jiquiá), junto ao Recife, também não sabia a naturalidade deles.
Da parte de seu pai teve três tios e uma tia, a saber: Gonçalo Peres de Gusmão, Leonardo Peres, e Domingos Peres, e Joanna de Oliveira, todos defuntos e sem filhos.
Da parte de mãe teve um tio e duas tias, a saber, Luiz de Sousa Uchoa, Dona Nazaria de Lira, e Dona Joanna de Lira; Seu tio Luis de Sousa foi casado e não teve filhos; sua tia, Dona Nazaria de Lira, foi casada, em Santo Estevão, com Pedro da Cunha, lavrador de cana, teve filhos, não sabe quantos, nem como se chamavam; sua tia Dona Joanna de Lira foi casada junto ao Recife, nos Afogados, com Mathias Moreira Queiroz, e não teve filhos.
Contou, ainda, que tinha duas meias irmãs por parte de sua mãe, que casou, a segunda vez, com Francisco Vaz Carrasco, escrivão dos presídios, e se chamavam Dona Ignez de Vasconcelos e Dona Francisca; sua irmã Dona Ignez de Vasconcelos era casada, em Goiana, com Francisco Rodrigues Xares (Francisco Xerez Furna), não sabia se tinha filhos (teve, e casou uma segunda vez).
E que ela, como disse, se chamava Dona Felícitas Uchoa, casada com Luis da Fonseca Rego, e tinha um filho chamado Dionísio de onze anos.
Disse mais que era cristã batizada, e foi na Igreja de São Gonçalo de Itapissuma pelo pároco que então era, a quem não sabia o nome; e foi seu padrinho Dionísio Peres de Gusmão que estava reputado por filho bastardo de seu pai, e era já defunto sem filho, e não teve madrinha; era crismada, e o foi, na Igreja de Santo Estevão, pelo bispo de Pernambuco que então era chamado Dom Mathias, não sabia de que, e foi sua madrinha sua tia Dona Nazaria.
E que ela quando chegou aos anos de juízo, e discrição ia às igrejas ouvir missa, e pregação, se confessava, e comungava, e fazia as mais obras de cristão: e mandada por de joelhos se persignou e benzeu e disse as orações do Padre Nosso, Ave Maria, Credo, Salve Rainha, os mandamentos da Lei de Deus, e os da Santa Madre Igreja, que tudo soube bem.
E que ela só sabe ler, escrever; e que só saiu de Pernambuco para a Paraíba, onde conversava com toda casta de gente, que se lhe ofereceu, ou fossem cristãos novos ou cristãos velhos; e que ela nunca foi apresentada ao Santo Ofício, nem presa sem ser agora, nem parente seu algum o foi.
Perguntada se sabia a causa de sua prisão, disse que seria pelas culpas que tem confessado; foi lhe dito que ela estava presa por culpas, cujo conhecimento pertence ao Santo Ofício.
Quer saber mais sobre o processo de D. Felícitas? Visite http://digitarq.dgarq.gov.pt/viewer?id=2299877.

Assinatura de Dona Felícitas no processo