segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

As Cartas do Capitão José da Penha (II)

As Cartas do Capitão  J. da Penha (II)
A terceira carta do capitão José da Penha para as filhas é datada de 27 de Agosto de 1913. “Minhas filhas. Depois da longa enfermidade, que me comprometeu, vieram as emboscadas tenebrosas dos inimigos, que derrotados já pela propaganda, recorreram a todos os meios de vencer-nos pela prepotência e a força. Não descansei, nem tive depois de doze de julho, tempo senão para a política e para defender-me. Agravaram-se as dificuldades sendo preciso telegrafar a cada instante e ouvir inúmeras pessoas todos os dias. O telégrafo esteve fechado para Leônidas, até ontem. Quer os meus quer os telegramas do Rio, são escandalosamente truncados. O povo coagido pela polícia começa a desanimar. Tudo se reanimaria, salvando-se, de repente, o que já naufragou, se Leônidas viesse, como se comprometeu e era necessário. Se não vier, não sei bem o que nos acontecerá; mas pressinto a nossa vitória ainda que mais tarde com o próprio Chaves (Ferreira Chaves), se vencer contra a vontade de uma colossal maioria de riograndenses. A minha obra, filhas, tenho orgulho dela. Imortalizei-me no coração deste povo que será oprimido, mas não será de todo vencido. Para muitos já sou um ente fora do natural. E o futuro trará infalível recompensa não dos sacrifícios que tenho feito. A liberdade não morre! Esta é para seus avós  também e para  toda a família. Mando a procuração que o compadre pediu. O dinheiro que receber deve ser dividido, ficando o que vocês precisarem aí. Abracem por mim o Vieira, Raul, Helena, Rita e os demais da família. Escrevam-me sempre. Do Rio nenhuma carta desde o mês passado. Do pai que não as esquece. J da Penha.”
Um mês depois, José da Penha partia de Natal, como nos fala Aluizio Alves, em uma belíssima reflexão, que intitulou de “Na Solidão do Mar”, no livro de sua autoria, A Primeira Campanha Popular no Rio Grande do Norte: “Dia 27 de setembro de 1913, no navio Bahia, J. da Penha embarcou para Recife e de lá para o Ceará, a fim de reassumir sua cadeira de deputado na Assembléia Legislativa. É difícil penetrar na alma das criaturas humanas, até daquelas com quem convivemos todos os dias. E, ás vezes, difícil penetrar em nossa própria alma, e arrancar-lhe os segredos que ela teima em esconder. Muito mais difícil é, certamente, mais de meio século depois, ir ao fundo da alma de José da Penha Alves de Sousa, brilhante capitão do Exército, trinta e oitos anos de idade, jornalista, escritor, líder popular de uma campanha fascinante e frustrada, aclamado pelas multidões, bravo ante todas as ameaças e riscos, posto diante de si mesmo, na solidão de um camarote de navio, dentro da noite do Atlântico, após tudo isto. Eu tento faze-lo, com a pequena experiência de quem sonhou, lutou, venceu, perdeu, recomeçou, e viveu momentos em que à sua frente todos os muros se alteavam, e todos os aplausos pareciam se transformar em silêncio. É  aquela terrível hora em que cada um pergunta, temendo a própria resposta: - afinal, por que? - Ele veio servir ao seu povo. Foi buscá-lo no abandono da pobreza e da humilhação para levá-lo a viver com dignidade as aspirações da pátria comum. Fez da palavra uma semeadura de esperanças. Colocou-se acima do ódio morno, frio, ou desesperado. Sacrificou saúde, bens, tranqüilidade. Pôs em jogo a carreira e a vida. Quando alguns cansavam, renovava ânimos. Quando outros desistiam, ele multiplicando energias, ocupava o espaço vazio. Arrancou dos lares, das escolas, das oficinas, dos campos, velhos e moços, homens e mulheres, pretos e brancos, e as próprias crianças, abrindo-lhes, a todos,  as perspectivas de itinerário mais nobre e mais digno. Confiou nos que prometeram, e falharam. Não faltou, em nenhum momento, ao compromisso da sua vida. Afinal, para que? Depois de tudo, as conspirações da intriga, as imposições da força, a violência estrutural do poder viciado, corrompido nas suas nascentes e corruptos nos seus objetivos, apagou, na cilada final de uma madrugada de violência, todo um sonho de uma redenção popular.  A ele, comandante solitário, restava pequeno camarote de navio no meio do mar, nas sobras da noite, em que as últimas luzes eram as infinitas estrelas do céu. Porque as outras, as maiores e mais claras, que eram os olhos do povo iluminado de esperanças, se haviam apagado sob o desencanto da derrota que não houve. Tento compreender essa hora de José da Penha Alves de Sousa. E penso compreender a segunda hora. A do soldado solitário que joga fora a poeira da última batalha dá a volta por cima, e desce na terra firme de Fortaleza, para outra luta, esta de vida e morte.”

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