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terça-feira, 27 de agosto de 2013

D. Clara Camarão, uma lenda


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
Diversos livros escritos sobre o período do domínio holandês, no nordeste brasileiro, são, quase que totalmente, cópias de outros, escritos anteriormente. Alguns acréscimos, muitas vezes, não passam de invencionices. Isso deve se repetir, com frequência, em outros assuntos históricos. Há, entre esses escritores, alguns que nem viveram por aqui, mas que resolveram escrever, pegando carona em outros autores.

Quando se pesquisa algumas pessoas, em jornais antigos, descobrimos que, dependendo do jornal, seu personagem era um santo ou um bandido, da mesma forma que acontece hoje.

Muitos documentos da nossa história continuam submersos em arquivos de difícil acesso. O governo brasileiro deveria, urgentemente, patrocinar a digitalização e divulgação dos mesmos, para que mais pessoas pudessem ajudar a reescrever a nossa história, acabando com equívocos que se espalham sem nenhuma crítica.

As universidades brasileiras deveriam se dedicar, com mais afinco, aos documentos da nossa história, a fim de trazer, para o grande público, a verdade. Com a internet muito se pode fazer pela educação e, com isso, sair desses índices ridículos que os organismos internacionais nos atribuem. Infelizmente, nossos pesquisadores são muito individualistas.

Muitas informações sobre nossos índios e negros são distorcidas e mereceriam um estudo mais aprofundado, pois eles são parte integrante da nossa identidade. A naturalidade de Dom Antonio Felipe Camarão, por exemplo, é disputadíssima, ainda, por vários estados do Nordeste. O batismo, em 1612, de Antonio e Clara, me parece, é o marco da confusão. Por que não há um esforço conjunto para buscar todos os documentos sobre ele e seus parentes.

Dona Clara Camarão, mesmo com poucas informações sobre sua vida e sem um maior aprofundamento, está perto de se tornar uma heroína brasileira. A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que determina a inscrição do nome da índia Clara Camarão no Livro de Heróis da Pátria. O que se sabe de verdade sobre ela?  Que estudos a Câmara Federal encomendou sobre a esposa de Dom Antonio?

Um dos livros mais citados pelos pesquisadores sobre o período holandês, no Brasil, é “O Valeroso Lucideno” de Frei Manuel Calado, que escreveu no prólogo ao leitor: Persuadido (pio, e benigno leitor) de muitas importunações de amigos, e obrigado do amor da Pátria, e levado do primor, e timbre do nome Português e, sobretudo por acudir por a honra, e infalível palavra, e nome de S. Majestade, e dar alento aos moradores de Pernambuco, para levarem com suavidade a carga dos trabalhos, e o peso da guerra, na qual andam em roda viva de dia, e de noite, por libertarem a terra das mãos dos Holandeses: tomei a pena na mão para fazer este tratado, como testemunha de vista, pois em companhia dos tristes e afligidos moradores daquela Província, como amigo, e fiel companheiro, me achei presente, com a espada em uma mão, e com a língua ocupada na propagação, e defensão da Fé Católica. E suposto que esta empresa da liberdade da Pátria, em defensão da Fé de Cristo, pedia outro Escritor mais defecado, e mais douto, pode ser que qualquer outro que seja o escreva com menos evidência, e verdade, pois vai muita diferença entre o que escreve como testemunha de vista, e o de ouvida.

Em todo o livro de Frei Manuel Calado, testemunha viva daquelas lutas, só há uma citação sobre Clara: partiu também Dom Antonio Felipe Camarão, que já então tinha o hábito de Cristo, e S. Majestade lhe tinha dado Dom, e o tinha feito Fidalgo por ser grande valor, e fidelidade, e lhe havia dado título de Governador, e Capitão General de todos os índios do Estado do Brasil; partiu, pois o Camarão e não somente levou todos os índios de sua esquadra, senão que também levou em um cavalo com uma lança na mão, a sua mulher Dona Clara. Frei Manuel, em nenhum momento descreve qualquer batalha da qual ela tivesse participado, somente que partiu com seu marido, com uma lança na mão.

Outro livro famoso é “Castrioto Lusitano” de Frei Raphael de Jesus, que nem por aqui andou. Diz ele, sobre o fato narrado por Frei Manuel Calado: Dom Antonio Phelipe Camarão (título e posto que neste mesmo tempo, lhe deu El Rey, com o hábito em prêmio de seus serviços, tamanhos agora, e tanto maiores depois que defluiram a mercê, e impossibilitam a paga.). A seu lado saiu, também sua mulher Dona Clara montada em um cavalo, e tão clara nesta gentileza, que deixou escurecida a memória das Zenóbias e Semíramis com que tanto se ilustrou a antiguidade. Não ficou atrás dos que mais se adiantaram, o Governador dos Crioulos Henrique Dias, porque tão valente, como zeloso, foi dos primeiros que saíram a investir o contrário com o terço, sempre preto na sorte e da admiração, e inveja sempre alvo.

Diogo Lopes Santiago, outra testemunha da época, escreveu algo a mais sobre a participação de D. Clara nas diversas batalhas? E os cronistas do lado dos holandeses deram notícias da esposa de Dom Antonio?

A vida de D. Clara, na época dos holandeses no Brasil, já está misturada com as vidas das heroínas de Tejucupapo. Nesta, figuram dois nomes, entre as quatro mais citadas: Maria Camarão e Clara, e, talvez, por isso a confusão. A cada momento aparece mais uma batalha da qual D. Clara teria participado. Nos antigos jornais da Hemeroteca Nacional, o nome de Clara é várias vezes citado, já por muitos anos.

A naturalidade de D. Clara, também, já é disputada por Ceará, Rio Grande do Norte e Alagoas. Porto Calvo foi um lugar para onde se dirigiu Dom Antonio Felipe Camarão, levando a esposa Clara.

Acho que a Câmara Federal deveria ser mais cuidadosa nas suas concessões.






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