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domingo, 2 de outubro de 2011

O massacre de Uruaçu

O massacre de Uruaçu
Nesse dia 3 de outubro é feriado no Rio Grande do Norte. Há 366 anos atrás, ocorreu um massacre na localidade de Uruaçu. Vamos encontrar no livro o Valeroso Lucideno, de Frei Manuel Calado, uma carta do Capitão Lopo  Curado, escrita 20 dias após o ocorrido. Ele colheu informações das viúvas e órfãos que foram levadas do Rio Grande do Norte para a Paraíba.
BREVE, VERDADEIRA, E AUTÊNTICA 
Relação das últimas tiranias, e crueldades, que os pérfidos holandeses usaram com os moradores do Rio Grande, escrita pelo Capitão Lopo Curado aos dois mestres de campo, e governadores da liberdade de Pernambuco, João Fernandes Vieira, e André Vidal de Negreiros: 
Em particular aviso a Vossas Senhorias do memorável sucesso do Rio Grande, depois das duas matanças que fizeram os tiranos flamengos, acompanhados de bárbaros Tapuias e Pitiguares, e nesta derradeira, certo que é incrível a tirania, no qual servirá de maior exemplo, e que escureça todas quantas têm sucedido no mundo em tempo dos imperadores romanos antigos; memória que haverá enquanto durar o dito; pois o sangue derramado de tantos inocentes, clama aos céus justiça, e aos príncipes da terra favor, a tomar vingança de tais tiranos: e para relatar os sucessos, e modos que houve entre os ditos flamengos de suas deslealdades, e traições, é tomar o tempo a Vossas Senhorias, ainda que o mesmo o há de manifestar; porque tais tiranos quer Deus que os conheçam, para que a cristandade veja, que mais vaIe passar por todos os tormentos da morte, que viver morrendo entre o nome de tal gente. Patente é a Deus, e ao mundo, e o será daqui em diante às mais remotas nações dele, a traição que usaram os ditos holandeses com os pobres moradores do Rio Grande, estando em uma cerca recolhidos por se livrarem dos bárbaros Tapuias, e Brasilianos, passando, e padecendo nela havia três meses notáveis misérias, nos quais foram acometidos por muitas vezes dos tais inimigos, que ainda não fartos do sangue, que fizeram derramar ao povo de Cunhaú, e casa forte de João de Lostao, pretenderam esgotar o desta pobre gente cercada, para que nela se acabasse o nome português daquela Capitania, para o que dezesseis dias, e noites os tiveram em cerco, assim Tapuias, como Brasilianos e Flamengos, nos quais lhes deram terríveis baterias sem as poderem levar, usando de um ardil, para com ele fazer a obra que pretendiam. E foi, que armaram uns carros emadeirados, levando-os diante de si, com mosquetaria, e outros instrumentos de guerra para chegarem à dita cerca, mas não foi bastante este artifício, porque setenta portugueses que havia nela, ainda que poucos no número, mas muitos no esforço, os arredaram de si de maneira com quinze armas de fogo, e os mais com paus tostados, que lhe quebraram os carros, e os puseram em fugida com perda do dito inimigo de vinte homens, sem da nossa parte perigar nenhum, e vendo os ditos flamengos que os não podiam render, lhes cometeram que se entregassem, pois eles eram ali vindos da fortaleza, e seu tenente, para os guardarem assim dos ditos selvagens, como dos Flamengos moradores, que com os ditos estavam, os quais lhes tinham feito aquela guerra. E vendo os ditos moradores o tão pouco que se podiam fiar da palavra de tiranos, disseram, que enquanto ali estivessem Tapuias e Brasilianos, queriam antes morrer, que se entregar; e que tinham bom exemplo na traição das mortes, que fizeram no Cunhaú na casa forte de João de Lostao, ao que lhes responderam, que em nome de S. Alteza o Príncipe de Orange, lhes requeriam se entregassem, e não usassem mais de armas, prometendo-lhes vidas, e fazendas, na maneira que até então os gozavam, e fazendo o contrário que mandariam vir uma peça de artilharia da fortaleza, e com ela os bateriam, e não escaparia nenhum, e os teriam por alevantados. E considerando os ditos cercados, que já não tinham mantimentos nenhum, nem munições para sustentar as armas, fiados nas palavras dos ditos Flamengos, lhes disseram que fizessem disso um papel, o qual fez o tenente, e os mais oficiais de guerra, em que se assinaram, e nele lhes prometeram de os guardar dos ditos selvagens Tapuias, e Brasilianos, e conservar com a vida, e fazenda; e feito o sobredito, pediram que em reféns haviam de levar cinco moradores para a fortaleza, o que lhes foi concedido: os quais foram Estêvão Machado de Miranda. Vicente de Souza Pereira, Francisco Mendes Pereira, João da Silveira, Simão Correia, deixando eles dez soldados de guarda da dita cerca, e gente que nela estava; e tomaram todas as armas de fogo, e paus tostados com que os moradores se tinham defendido. Estavam mais recolhidos para segurarem suas vidas na fortaleza o P. Vigário Ambrósio Francisco Ferro, Antônio Vilela o Moço, Joseph do Porto, Francisco de Bastos, e Diogo Pereira, e prisioneiros João Lostao Navarro, Antônio Vilela Cid. Em dois do presente mês de outubro chegou uma lancha do Recife ao Rio Grande, e conforme a execução que se fez, trouxe ordem para matar a todos os moradores de dez anos para cima, como ao diante se verá; em três do dito mês véspera de S. Francisco mandaram os Flamengos da fortaleza sair a todos os moradores que nela estavam, que foram os acima nomeados, dizendo que já estavam seguros dos Tapuias, porquanto se tinham ido para o sertão, e que fossem em companhia da tropa que ia em sua guarda para a cerca aonde estavam os outros moradores, visto haver lá muitos mantimentos com que se podiam sustentar, e não estando na dita fortaleza passando fomes por falta de mantimentos, e que iam seguros porquanto tinham lá na dita cerca aos ditos dez soldados, que lhes tinham deixado para sua guarda. No mesmo ponto lançaram aos ditos, que estavam na fortaleza, e em batéis os levaram pelo rio acima três léguas, acompanhados dos soldados, e os lançaram fora do porto do dito Rio, chamado de Uruaçu meia légua da dita cerca, na qual acharam passante de duzentos Brasilianos bem armados com Antônio Paraupaba escaramuçando em um cavalo, e tanto que estiveram em terra, os Flamengos despiram nus aos ditos moradores, e os mandaram pôr de joelhos (o que eles receberam com muita paciência, e os olhos em Deus) e logo chamaram aos Brasilianos para os matar, o que se executou logo, fazendo nos corpos destes mártires tais anatomias, que são incríveis; e não contentes com elas, os ditos Flamengos, os ajudaram a matar, assim arrancando os olhos a uns, e tirando as línguas a outros, e cortando as partes vergonhosas, e metendo-lhes nas bocas. No mesmo instante que os acabaram de matar, foram os ditos Flamengos à cerca deixando os Brasilianos no lugar em que tinham feito os martírios nomeados para a segunda execução; e aos moradores disseram, que os senhores do Concelho do Recife os mandavam chamar, para o que estava um barco logo para partirem, e que fossem em sua companhia para os embarcarem, e vendo os sobreditos que era a viagem tão apertada, sem lhes darem demora alguma, e sem saberem dos que eram mortos, e disseram todos juntos, e cada um por si, que eles iam  morrer, porque seus corações lhos diziam; e despedindo-se com lágrimas, e suspiros de mulheres, filhos, irmãos e irmãs, foram todos dando graças a Deus, e mui conformes, por morrerem por seu Deus, e por seu Rei, e sua pátria, e dizendo estas mesmas palavras aos tiranos algozes que os levavam; e chegando aonde estavam os sobreditos Brasilianos lhos entregaram, e com a tirania, e desumanidade que em seus corações habita, os mataram, sem ficar nenhum; na qual execução se fizeram as maiores anatomias, e martírios nos corpos destes mártires, que são coisas que a boca não pode pronunciar. E acabante as ditas mortes deixaram os corpos postos ao sol, e sobre a terra, e sem sepultura nenhuma, e os membros tão divididos em partes, que não se conhecia quais eram os de cada um dos ditos mártires. No mesmo instante foram os mesmos tiranos Flamengos, e Brasilianos à cerca, aonde somente ficaram as pobres viúvas, e órfãos, e as acabaram de despojar de todos seus bens, deixando-as a muitas nuas, e com outros opróbrios, que passo em silêncio. Julguem agora Vossas Senhorias o que fariam as pobres viúvas, quando souberam dos mesmos algozes, que todos os homens eram mortos, e tão cruelmente, para que os olhos se aprestaram a fontes, e as bocas, para as funerais lamentações de seus consortes, pois é de ver (meus senhores) que até isto estes tiranos tiraram a esta pobre gente, porque querendo lamentar com suspiros, e lágrimas seus desventurados dias; estes tais lho não queriam consentir, e as fizeram calar, ora com ruins palavras, ora com pés, e mãos, dando-lhe de bofetadas, e coices, e ameaçando-as, que as haviam de matar se choravam; e por não passar em silêncio nas pessoas, e nomes de alguns mártires, os declararei por a constância que tiveram em suas mortes, e martírio, Antônio Baracho casado o amarraram em um poste, e vivo lhe arrancaram a língua, e depois o coração, e desta maneira morreu, cortando-lhe suas partes secretas, e metendo-lhas na boca ainda em vivo. A Mateus Moreira o abriram por as costas, e lhe tiraram também o coração, e as últimas palavras, estando neste martírio, que disse, foram louvar a Deus, dizendo: Louvado seja o Santíssimo Sacramento. E porque na morte destes Inocentes, houvesse admiráveis circunstâncias, relatarei a Vossas Senhorias algumas coisas que sucederam mais milagrosas que humanas. Um mancebo por nome João Martins o levaram para morrer com os mais, e sendo todos mortos à vista do sobredito, lhe cometeram que dariam a vida se tomasse armas contra sua nação, a que ele respondeu com alegre rosto: Não me desampara Deus desta maneira, essas tomei sempre contra os tiranos, e não contra minha Fé, Pátria, e Rei. E que o matassem logo porque estava invejando as mortes de seus companheiros, e a glória que tinham recebido, e quando o não quisessem matar, ele mesmo os persuadiria a que o fizessem.
Dois mancebos casados, um chamado Manuel Álvares IIha, e outro Antônio Fernandes, depois de estarem em terra cheios de feridas, e nus da cinta para cima, meteram as mãos nas algibeiras, e puxando cada um por sua faca, e investindo com os Brasilianos mataram logo a três deles, e feriram a quatro ou cinco, fazendo isto com as ânsias da morte, e logo caíram mortos outra vez. Estêvão Machado de Miranda tinha uma menina de sete anos sua filha na fortaleza em sua companhia, e trazendo-a consigo a receber o martírio, vendo a dita menina que os flamengos queriam matar a seu pai, como aos outros presentes, se abraçou com ele, pedindo a vida do pai com as lamentações, e entendimentos de mulher de muitos anos, e os Flamengos a tiraram dos braços do dito pai, ao que lhe disse o dito: Filha, dize a tua mãe que se fique embora, que no outro mundo nos veremos. E desta maneira o mataram, e a menina tirou a saia depois do pai morto, e se foi para ele, e cobrindo-lhe o rosto, e chorando, e pedindo que a matassem também, a quem os ditos algozes lançaram mão da dita saia, e trouxeram a menina a sua mãe, e ela, e os mais contaram o caso. Uma filha de Antônio Vilela, o Moço, mataram sendo criança pequena, pegando-lhe os Tapuias à vista dos Flamengos em uma perna, e dando-lhe com a cabeça em um pau, e a fizeram em dois pedaços. E a outra filha de Francisco Dias, o Moço, a mataram também, e a abriram em duas partes com um alfange. E a uma mulher casada com Manuel Rodrigues Moura, depois do dito morto, lhe cortaram as mãos, e os pés, e a sobredita mulher em três dias naturais esteve deitada no chão viva, e acabou dando a alma ao Criador.
Diversos martírios deram neste dia aos corpos dos mártires, e houve nele muitos milagres patentes, vistos, que quis Deus mostrar que os tais iam a gozar da bem-aventurança.
Sucedeu, pois, que aquela noite que padeceram se ouvisse uma música no céu sobre a fortaleza do Rio Grande, e ouvindo-a a mulher de um flamengo chamado Gesman governador das armas nesse Recife, se levantou chamando por algumas mulheres, e também por suas escravas para que ouvissem a música que ia no céu, o qual caso testificou a sobredita; certo presságio que foram os anjos que acompanhavam as almas destes mártires para o céu. Na cerca donde tinham saído os ditos mártires estava entre outras meninas uma filha de Diogo Pinheiro, de idade de oito anos, chamada Adriana, e dando-lhe vontade de chorar, entrou para uma camarinha por não ser vista, aonde achou uma mulher com um azorrague na mão, e lhe disse: Cala-te filha, que com este azorrague que aqui vês, hão de ser castigados estes que fazem estas crueldades, como logo saberás.
Atribulada a menina saiu para fora, e vendo as mulheres a mudança dela, lhe perguntaram o que tinha? E como assombrada contou o sucesso, e daí a pouco chegou a nova dos inocentes mortos, que certo bem parece que a Virgem Senhora Nossa tem tomado o castigo destes tiranos à sua conta. Naquela mesma noite houve grande cheiro de incenso na dita cerca, que durou muito tempo, e foi patente a todos, sem se saber donde o dito cheiro procedia senão do céu. Houve também entre estes mártires grandes penitências, sem saberem uns dos outros, e ao dia que padeceram, jejuavam todos a pão, e água, assim os da fortaleza, como os da cerca, não sabendo uns dos outros, ao outro dia por a manhã pediram licença as mulheres para irem a enterrar os corpos mortos, e não lho consentiram; o que os escravos fizeram às escondidas, e não se achou um palmo de pano para os amortalharem a nenhum, por deixarem as ditas mulheres em estado que ficaram despidas de todo, achou-se que todos estes corpos estavam com cilícios, e os que os não tinham com cordas cingidas, e algumas tão metidas por a carne que mal apareciam. E sabe-se que durante o tempo que estavam cercados houve extraordinárias penitências, e até os meninos as faziam, sendo todos nus, e com cordas cingidas, e todos os dias se faziam procissões com um Santo Crucifixo, esperanças claras destas almas estarem gozando da bem-aventurança. Sobre a sepultura aonde foi enterrado o P. Vigário Ambrósio Francisco Ferro se achou quinze dias depois da sua morte uma posta de sangue fresca sem corrupção, como se naquela hora fosse derramado, mostras bastantes, que o tal brada ao céu justiça. Muitas outras coisas milagrosas sucederam, dignas de se recontarem, que deixo ao tempo, no qual fio não passará, e todas acima declaradas foram vistas, e juradas, e autênticas por vinte cinco mulheres que o inimigo botou nesta Paraíba, com suas famílias, as ditas chegaram de maneira, e tão transfiguradas que mais parecem pessoas ressuscitadas que viventes corpos.
O Bolestrate as mandou deitar aqui, e a algumas lhes concedeu alguma roupa que traziam sobre os corpos, mas em as querendo desembarcar em terra as despiram de maneira que apenas trouxeram camisas, as quais lhe largaram por já não terem préstimo para serviço de outro corpo. Vossas Senhorias perdoem o compêndio da carta, que lhes afirmo que se houvera de relatar o que se tem passado naquela Capitania houvera mister muitas mãos de papel, contudo o faço destas sobreditas coisas acima, que não faltarão curiosos para o fazer do mais que falta, porque Deus o permite, e manda que sejam públicas as maldades destes tiranos.
Deus guarde a Vossas Senhorias, hoje vinte e três de outubro de mil e seiscentos e quarenta e cinco anos.Lopo Curado Garro

Casamentos entre índios e portugueses

Manoel Pinto de Castro, secretário deste governo, por ausência do secretário atual, certifica em: Como por ordem do capitão-mor desta Capitania do Rio Grande do Norte Pedro de Albuquerque, e Mello, registrei no livro 18 dos Registros de Ordens e Alvarás Reais, que serve nesta secretaria, o Alvará de Lei porque sua Majestade, que Deus Guarde, é servido declarar que os vassalos deste Reino, e da América que casarem com índios dela não ficam com infâmia alguma, antes se farão dignos de Sua Real Atenção, e serão preferidos nas terras em que se estabelecerem para os lugares e ocupações que conhecerem na graduação de suas pessoas, e seus filhos e descendentes serão hábeis e capazes de qualquer emprego, honra e dignidades sem que necessitem de dispensa alguma em razão deste alcançar em que se compreendem os que já se acham feitos antes desta resolução e que o mesmo se praticará com as portuguesas que casarem com os índios, e a seus filhos e descendentes como se declara no mesmo alvará, o que todo o referido passa na verdade e para constar passei a presente certidão por mim  feita e assinada em 28 de abril de 1756. Manoel Pinto de Castro.
Transcrito do Centro de Memória Digital da Universidade de Brasília