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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Morreu de desconcerto do seu sexo

Morreu de desconcerto do seu sexo
A morte era uma constante naquela época. Ela e a vida pareciam ser a mesma coisa. Tantos nasciam e outros tantos morriam. José Francisco Alves de Sousa e Maria Ignácia Teixeira do Carmo tiveram 21 filhos. Nos livros de registros que pesquisávamos, os nascimentos dos filhos do casal se sucediam a cada ano. Mas, apenas seis chegaram à idade adulta. Ainda assim, José Francisco, mesmo nome do pai, morreu de uma queda de cavalo. O capitão José da Penha foi assassinado sem completar os 39 anos. José Anselmo morreu envenenado e, antes, tinha perdido dois filhos que se suicidaram. Irma, outra filha de José Anselmo, morreu atropelada.
Antonio Barbosa da Costa e Claudianna Francisca Bezerra, pais de dois dos primeiros povoadores de Carapebas, Antonio Francisco da Costa Bezerra e José Alexandre Solino da Costa, perderam três filho jovens, Anna, Maria e Alexandre com 20, 19 e 16 anos respectivamente, em menos de um mês. Vejamos o registro de um deles, pois, todos morreram da mesma causa:
"Aos dezanove de Agosto de mil oitocentos e vinte e cinco na Capela de Angicos, filial desta Matriz de Santa Anna do Mattos, se deu sepultura ao cadáver do Adulto Alexandre com dezeseis anos de idade, filho legitimo do falecido Antonio Barbosa e Claudianna Francisca, falecido de Câimbras de Sangue, e sem sacramentos, e sendo envolto em habito branco foi por mim encommendado, do que para constar fiz este assento, que assino. O Vigário João Theotonio de Sousa e Silva."
Antonio Francisco, por sua vez, perdeu a esposa Agostinha, de parto, em 2/71827, e casou de imediato, em 12/10/1827, com Vicência filho de Vicente Ferreira da Costa e Mello do O' e Joaquina Maria do Rosário. Anna, filha de Antonio Francisco e Agostinha, casa mais adiante com Alexandre Avelino, filho de Vicente e Joaquina. Este último casal perdeu, em 1824, dois filhos em menos de um mês.  Francisco de Borja Soares Raposo da Câmara e Anna Francisca dos Milagres perderam, também, três no mês de março do mesmo ano. Vamos a alguns registros interessantes que encontrei ao longo da pesquisa, preservando tanto quanto possível o original:
" Aos dezessete de Março de mil oitocentos e sessenta e cinco foi sepultado no Cemitério de Rosário na Freguesia de Assú amortalhado em hábito branco a Adulta Francisca Maria do Espírito Santo, branca idade de sessenta e cinco anos, morreu de desconcerto de  seu sexo, foi confessada, e sacramentada pelo Re.do Elias Barbalho Beserra; do que para constar fiz este assento em que me assino. O Vigário Manoel Jerônimo Cabral."
Tive o cuidado de verificar se era isso mesmo o que estava escrito, pois, não consigo compreender o significado dessa expressão.
"Aos vinte e oito de Fevereiro de mil oito centos e sessenta três, foi sepultado no Cemiterio desta Villa a adulto Francisco José de Almeida com cinquenta anos de idade solteiro faleceu de bebedeira, foi em volto em habito preto, e encomendado por mim = Do que para constar fizeste assento em que me assino. O Vigário Manoel Jerônimo Cabral."
Aos vinte e nove de Novembro de 1873, faleceu de Velhice, com cento e dez anos d'idade, o preto d'Africa, liberto, José Rodrigues de Sanct' Iago, viúvo de Caetana Maria Cabral, e envolto com habito branco, encomendado pelo Pe. Elias Barbalho Biserra, foi no dia seguinte , sepultado, no Cemiterio do Rosário; do que para constar fis este assento, que assino. Vigário Joaquim Manoel d'Oliv.a Costa."
"Aos trinta de Março de mil oitocentos setenta e cinco foi sepultado, por se achar inundado o Cemitério publico de Rosário, a margem de um (ilegível) Sitio=Pendências, onde limitam os Fazendeiros Alferes Felix Rodrigues Ferreira e Manoel Alves Barbosa, d'esta Freguesia de Macau, o adulto Antonio Veríssimo de Luna, branco, idade de quarenta e cinco anos, morador na Bahia da Traição da Província da Parahyba do Norte, casado com Ideltrudes de Carvalho Luna, morreu de Bronquite, sem sacramento por não poder, e para constar fiz este assento, e o assinei. Padre Elias Barbalho Biserra, Coadjutor – Pro- Paróco de Macau."
"Sepultou-se no Cemitério desta Villa de Macau no dia vinte e nove de Novembro a parvula Maximina  com idade de quatro anos, filha legitima de D.r José Maria de Albuquerque, e D. Maria Luduvina de Cisneiro, faleceu a bordo do Vapor Pirassununga em viagem de Aracaty a esta Villa foi em volta em habito preto e encomendada por mim. Do que para constar fis esta assento em que me assino. O Vigário Manoel Jerônimo Cabral."
Em 1862, 1863 e 1864 há muitos registros de morte por cólera, inclusive de um filho de Joaquim Rodrigues Ferreira, fundador de Alto dos Rodrigues.
Mas a vida não pára e vai encontrando caminhos para sobreviver aos reveses que vão aparecendo. Veja a seqüência de casamentos que vão ocorrendo quando vai morrendo um parceiro. Manoel Jacintho da Trindade, irmão de João Felippe, casou com Josefa Francisca Xavier Bezerra, em 15/9/1866. Josefa morre, e ele casa, em 25/06/1870, com Anna Maria da Conceição, irmã da mulher de João Felippe. Aí, Manoel Jacintho morre, e Anna casa, em 25/1/1877, com Manoel Olimpio Dantas Cavalcanti, lá de Macau. Depois quem morre é Anna, e Manoel Olímpio casa, em 18/10/1888, com Emygdia Bezerra da Costa Avelino, irmã de Pedro Avelino e Emygdio Avelino.

Uma visita ao municipio de Macau

Uma visita ao município de Macau
Eu precisava voltar ao município de Macau. Algumas dúvidas sobre os Martins Ferreira persistiam e não foram resolvidas até o momento. Buscas em livros, consultas em registros da Igreja, pedidos de ajuda para algumas pessoas em Recife não esclareceram algumas questões.
Saí na terça-feira, 5 de maio, com Graça e Miguel Felipe em direção à Macau. Lá chegando, fomos de imediato até o Museu José Elviro, onde Gilson Barbosa nos recebeu. Anteriormente, por vários motivos não tivemos acesso ao Museu. Agora, conseguimos matar nossa curiosidade. Da Ilha de Manoel Gonçalves encontramos a base  do cruzeiro que veio de lá e se encontra hoje na Matriz. Surpreendemente, encontrei, também, dois baús que pertenceram a Vicente Maria da Costa Avelino. A minha surpresa veio do fato que José Nazareno Avelino, que descende de Vicente por intermédio de Emygdia Avelino, ter me falado diversas vezes sobre esses baús que hoje ele não sabia onde se encontravam. Foi uma visita proveitosa por tudo que tem lá no museu. Na saída, Gilson recitou uma poesia sobre o Gari, profissão que já exerceu um dia.
 Liguei então para Benito Barros para nos encontrar. Benito me levou ao 1º Oficio de Notas e lá Dona Neuza combinou para eu ir à  tarde ver uns livros de registro mais antigos. Informou-me que os inventários estavam no  Fórum. Depois, Benito me levou até sua casa. Lá me mostrou um pequeno Pilão que foi encontrado por um pescador, há muitos anos atrás, nas proximidades da Ilha de Manoel Gonçalves. Benito me trouxe, ainda, um mapa que Hélio Dantas tinha dado para ele, mapa esse feito por Candido Mendes em 1868. Queria mostrar a  localização da Ilha de Manoel Gonçalves que naquela  época da confecção já não existia. Mas, outra surpresa aconteceu. Naquele mapa constava, também, a localização de Cacimbas de Viana que fazia parte das terras de Bento José da Costa, e foi onde nasceu minha avó Maria Josefina Martins Ferreira, bisneta de João Martins Ferreira e Josefa Clara Lessa. Pensava eu, antes, que era próxima a cidade de Açu. Não imaginava que fosse onde o mapa indicava. Tinha procurado muito por tal localização, inclusive na internet. Agora, sei onde fica. Benito me mostrou sua vasta biblioteca, onde vários títulos tinham diversas edições. Dali, ele me levou até a praia de Camapum para me mostrar onde ficava a Ilha de Manoel Gonçalves, hoje submersa.
À tarde fui ao ofício de notas fazer minhas pesquisas. Aproveitei e deixei o meu livro de presente para Dona Neuza. Fotografei alguns registros para em Natal olhar com mais cuidado. Dali, saí de volta ao Museu para ver se veria alguns documentos de registros eleitorais que Benito disse existir lá. Mas, Gilson, naquele momento, não soube identificar.  Fui, então, ao Fórum. Lá Daniel e Anny  me informaram que teria que fazer uma petição ao Juiz, solicitando autorização para pesquisar. Isso, então, ficou para outra oportunidade. Dali, saí para conversar com José Lopes, pois, me disseram que poderia me ajudar com histórias mais antigas de Macau.
Encontrei José Lopes, me apresentei e disse o que queria para ver se ele poderia me ajudar.  Quando falei em Cacimbas de Viana, seus olhos brilharam. Foi logo dizendo que a Fazenda tinha pertencido a família dele que comprou de  Manoel Casado. Aí, falou de sua infância lá em Cacimbas do Viana. José Lopes está com 74 anos de idade, mas parece mais moço.
À noite saí para jantar mais Graça e Miguel Felipe, no Chão de Giz, indicado por José Lopes. Enquanto jantávamos chegou José Lopes. Já tinha lido alguns trechos do livro "Servatis ex more servandis", que tinha dado a ele, e queria saber se aquele José Nazareno Avelino citado no livro era o amigo de infância dele, lá do Açu. Dei algumas características de José Nazareno e, por coincidência, era o amigo dele.
Após o jantar, Graça voltou para o Hotel para receber umas pessoas que viriam conhecer Mary Kay e ficamos, eu e Miguel, pastorando a chegada de Getúlio Moura, pois, nos disseram que todas as noites jantava por lá. Eu tinha lido o livro de Getulio, "Um Rio Grande e Macau", mas, nunca tinha conseguido me comunicar com ele. Era a hora.  Logo chegou Benito e continuamos a nossa conversa até que apareceu Getúlio Moura. Aí, discutimos algumas coisas que tinham no meu livro e outras que tinham no livro de Getulio. Uma das coisas que muitas pessoas não sabem é sobre a família de Vicente Maria da Costa Avelino. Tem muita gente que nem sabe que Pedro Avelino era o pai de Georgino, ou que Emygdio Avelino era irmão de Pedro Avelino.
Expliquei que o Jornalista Pedro Avelino era cunhado do Capitão José da Penha e que a mãe de José da Penha, Dona Maria Ignácia tinha uma irmã, Francisca de Paula, que casou com  Francisco Martins Ferreira. Aquela esquina, ali em Macau, que tem de um lado a placa com o nome Martins Ferreira (José Martins Ferreira, segundo eles) e de outro o nome de José da Penha, era uma coincidência que reunia parentes. José da Penha Alves de Sousa era primo legítimo de Maria Josefina Martins Ferreira.
Outra discussão que surgiu foi sobre os Alves. George Avelino me disse que Aluizio Alves contava era parente de Georgino. Vi um telegrama de José Anselmo para Aristófanes tratando-o como parente. Não identifiquei tal parentesco. Não seria pela parte dos Alves. Os Alves de Aluizio  vêm  dos Martins Ferreira e os de José da Penha vêm da Paraíba. Se houvesse algum parentesco de Aluizio e Aristófanes com Georgino  deveria ser através da Maria Ignacia Rosalinda Brasileira que era filha de Cosme Teixeira de Carvalho, avó de José da Penha e bisavó de Georgino Avelino Não consegui provar, mas acho que os Carvalho e os Fernandes de Santana são parentes. Rosalinda Brasileira foi madrinha do avô de Aristófanes e de Aluizio, Absalãovalho, avó de José da Penha e bisavó de Georgino Avelino Não consegui provar, mas acho que os Carvalho e os Fernandes de Santana são parentes. Rosalinda Brasileira foi madrinha do avô de Aristófanes e de Aluizio, Absalão Fernandes da Silva Bacilon.
O tempo foi pouco para outras discussões, mas agora teremos mais oportunidades de trocar idéias via internet e por outras formas de correspondência. Foi uma viagem proveitosa e cheia de boas coincidências.

Uma viagem a Macau dos Martins Ferreira

Uma viagem a Macau dos Martins Ferreira
Aproveitei o feriado para ir visitar Macau. Precisava conhecer alguns locais e algumas imagens da terra onde viveu parte da minha família. Antes de chegar lá, fomos, eu e Graça, conhecer Guamaré. Queria visitar uma das capelas mais antigas do Rio Grande do Norte, e onde parte das atividades religiosas da região era realizada. Conheci por fora. Estava fechada. Teoricamente, acho que as igrejas deveriam estar sempre abertas, como também as bibliotecas, os museus, as academias de letras e os institutos históricos. A igreja era pequena, mas volto um dia para conhecê-la. Seguimos para Macau. À tarde, saí para percorrer a pé, as imediações. Entrei na Rua Martins Ferreira, nome de família de meus ancestrais e a percorri até o final. Em uma casa de esquina, duas placas quase que se tocam em perpendicular: Rua Martins Ferreira e Praça José da Penha. Em várias cidades do Rio Grande do Norte, há algum tipo de homenagem ao Capitão J. da Penha: uma praça, um busto, uma rua ou uma escola. Até em Fortaleza a herma do Capitão J. da Penha foi instalada. Fica na Praça da Escola Normal, em frente ao Colégio da Imaculada Conceição, no início da Avenida Santos Dumont. O tempo reunia numa esquina duas famílias que aparentemente não tinham nenhuma relação. Mas não é verdade. Francisca de Paula, tia de José da Penha, casou-se com Francisco Martins Ferreira, neto do Capitão João Martins Ferreira, administrador das terras de Bento José da Costa, que veio da ilha de Manoel Gonçalves para fundar Macau. Francisca, também era angicana, mas está enterrada em Macau, onde faleceu de parto em 1874, com a idade de 25 anos.
Nada nas ruas lembrava o passado desses personagens, a não ser os nomes lá em cima em duas placas. Fui ver o monumento da Independência e daí fui a Igreja, também fechada. Depois, peguei o carro e fui dar uma volta maior pelas outras ruas, a procura de algo que lembrasse o tempo passado. Em uma esquina, me chamou a atenção um prédio que  parecia mais antigo, mas que soube logo, tinha 40 anos. Mas encontrei Bonifácio e Romualdo, dois visitantes, e conversamos um pouco sobre o passado. Contei um pouco do que aprendi sobre a Ilha submersa e sobre os Martins Ferreira.
À noite, consegui contato com o seminarista Jailton que conheci aqui na Cúria. Ele me garantiu que a Igreja seria aberta e ás sete horas estávamos lá, guiado por Jailton, conhecendo um pouco do passado. Jailton tem na cabeça muitas histórias que ouviu quando freqüentava, criança, o Museu José Elviro.. Na igreja vimos o cruzeiro que veio da Ilha e uma placa que dizia: "Esta cruz pertenceu á ilha de Manoel Gonçalves, hoje desaparecida. Dizem que foi a última cousa trazida da ilha pelos fundadores de Macau – em 1825 – A 2 de Novembro de 1931, o povo trouxe do Cemitério para a Matriz, sendo Vigário da Parochia e Prefeito do Município o Padre Paulo Heroncio de Mello." Não tenho muita certeza disso, pois, vi registros de batismo na ilha, datados 1841.
Em seguida subimos e fomos ver a imagem de Nossa Senhora da Conceição que veio também da ilha. É uma imagem muito bonita e bem conservada. Descemos para ver as três naves da Igreja. A matriz é uma Igreja que se modernizou, mas não perdeu a beleza. No centro da nave maior, mais uma imagem de Nossa Senhora da Conceição que segundo Jailton também tem uma história.
No dia seguinte fui ao cemitério na esperança de encontrar alguns túmulos de familiares mais antigos. Era um cemitério enorme. Ali pensava, diferentemente do que aconteceu em outras cidades, encontraria mais informações. Os cemitérios, infelizmente, não contêm os registros, e tudo vai se deteriorando com o passar dos anos. Como em todo cemitério neste país, ali roubavam placas e dois indivíduos, logo cedo da manhã, fumavam tranquilamente suas ervas. O administrador me informa que havia outro cemitério antes. Não encontrei os fundadores que foram enterrados em Macau. Da família encontrei o túmulo de Emygdio Avelino e o de Gilberto Avelino. Vale aqui lembrar mais um fato da história da Ilha de Manoel Gonçalves. Manoel da Rocha Bezerra que casou no Oratório de Nossa Senhora da Conceição da Ilha, em 1824, com Josefa Jacinta de Vasconcelos, era irmão de Matheus da Rocha Bezerra, avô de Emygdio Avelino. O capitão João Martins Ferreira foi uma das testemunhas. Matheus foi professor em Macau no ano de 1852.
Voltei para o hotel para reiniciar mais duas visitas, o museu José Elviro e a praia de Camapum.  O museu ainda não tinha sido aberto. Sua abertura prevista para sete de setembro foi adiada, conforme aviso na porta. Um contato com Joad, Secretário de Administração de Macau, prometia a possibilidade de uma visita. Infelizmente, houve um desencontro nas comunicações e saí sem ver o museu.
 A praia de Camapum, dizia a historia da Ilha que ficava defronte para ela. Daí meu interesse. Cheguei à praia, mas ninguém ali sabia informar em que direção, em frente da praia, tinha existido a tal ilha. Não foi o que esperava, mas valeu a pena. Macau é uma cidade muito bonita. Precisa ser mais bem aproveitada.

Miguel Trindade, o comunista que veio de Angicos (II)

Miguel Trindade, o comunista que veio de Angicos (II)

João Batista, em outras correspondências, conta mais sobre Miguel Trindade: "Miguel, seu pai, era uma pessoa que possuía um profundo sentimento de gratidão. É por aí que eu começo. Percebi isto em conversas sobre Câmara Cascudo, Etelvino Lins, Heroiso Pinheiro e Anselmo. Cada personagem, um fato.

Vamos ao primeiro: Criticava eu Câmara Cascudo. Por ser integralista, eu o chamei de fascista. Miguel disse-me: não é bem assim. Contou-me, então, o seguinte: "eu estava fazendo a barba quando bateram em minha porta (nessa época, ele morava no primeiro andar de uma casa comercial na Av.Duque de Caxias). Abri a porta, ainda ensaboado: era Amaro Siqueira, que trabalhava na Polícia Civil. Disse-lhe: entre, Amaro. Este foi entrando e me dizendo: Miguel, vim com a incumbência de prendê-lo e levá-lo para o Recife. Perguntei-lhe se dava tempo para terminar a barba e tomar um banho. Respondeu-me que ficasse à vontade. Amaro, no caminho para a Secretaria de Segurança, disse-me: é danado, Miguel, amanhã é o jogo da seleção brasileira (1938) e eu vou perder, pois amanhã partiremos de trem para o Recife. Eu disse: Amaro, fique e assista o jogo, que eu pego o trem e me apresento na Secretaria de Segurança no Recife. Amaro respondeu-me: Miguel, sei que você faria isto, mas eu não posso deixá-lo só. No outro dia, no trem, Amaro disse-me: Miguel, levo aqui no meu bolso uma carta de recomendação de Cascudo. E eu respondi: que história é esta? Disse-me Amaro: ontem à tarde encontrei-me com Cascudo e ele me perguntou o que eu estava fazendo e eu lhe disse que estava com a desagradável incumbência de levá-lo preso para o Recife. Cascudo pediu-me que passasse em sua casa, o que fiz, entregando-me ele esta carta de recomendação. Perguntei a Amaro para quem era a carta, respondendo-me que era para o Dr. Etelvino Lins, Secretário de Segurança em Pernambuco". Continua Batista na sua correspondência: "João Felipe, embora tivessem visões políticas opostas, quando toda a esquerda chamava Cascudo de fascista, inclusive eu, seu pai, movido pela gratidão, fez esta ressalva, distinguindo certos integralistas de fascistas, no que estava certo.

Preso no Recife foi seu advogado um cidadão chamado Reis Lisboa, que conheci, quando trouxe uma carta de Miguel para ele, em 1949. Não tenho certeza, mas acredito que este Reis Lisboa era do Telégrafo. Contou-me seu pai que o Reis Lisboa procurou Etelvino Lins e manteve com este o seguinte diálogo: "Etelvino, como é que você mantém preso o Trindade, colega seu na sala de aparelhos do Telégrafo, uma pessoa que você conhece na palma da mão?" Disse Reis Lisboa ao seu pai: Etelvino abriu uma gaveta, puxou um maço de cartas e respondeu-me: "se eu entregasse este maço de cartas de Trindade à comissão, onde iria parar Trindade? "Pelo visto, seu pai era grato ao gesto de Etelvino por este não ter entregue o tal maço de cartas à comissão."

Quando o seu pai voltou para Natal, recém saído da prisão, entrou com o processo na Justiça, solicitando  reintegração no cargo que exercia no Telégrafo. Enquanto aguardava a decisão judicial, Heroiso o convidou para trabalhar no seu escritório de representações. Ali ficou Miguel por alguns anos. Foi o espírito de gratidão, mais uma vez, que falou mais alto. Heroiso não terminou sua vida em sua casa, porque resolveu ir embora, falecendo logo em seguida.  Heroiso era uma pessoa decente.

Quando Anselmo assumiu a Diretoria dos Correios e Telégrafos, chamou o seu pai para chefiar a Secção Econômica. Causou espanto. Sendo Miguel de ideologia de esquerda, contundente ao que pregavam o PSD (partido de Anselmo) e a UDN, somente uma profunda confiança no caráter de seu pai justificaria tal gesto. Somente a gratidão merecia o respeito que Miguel tinha por Anselmo. Parece-me que ele era padrinho de seu pai."

Em outra correspondência, escreve-me, João Batista:"    Preso Miguel em Recife, posteriormente foi encaminhado, com outros presos, ao Presídio da Ilha Grande, como acontecera com Graciliano Ramos. No presídio vieram a ser companheiros, entre outros, Graciliano Ramos, Aparício Torelli (o célebre Barão de Itararé) e um seu amigo chamado Wander Linden. Certo dia, estavam sentados no chão, encostados em uma parede Miguel, Graciliano e Wander Linden. Graciliano com um lápis na mão e um caderno escrevia. Wander Linden, com um canivete e uns pedaços de madeira fazia peças de jogo de xadrez. Conversavam, menos Graciliano. Em dado momento, Wander Linden disse: "Miguel, com quem se parece este cavalo?" Miguel olhou para a peça, demoradamente, e respondeu: "Tem as feições de fulano". Graciliano, que estava escrevendo, virou-se e num gesto de exclamação perguntou: "Feições!". Miguel respondeu: "Sim, feições." Graciliano virou-se de costas para Miguel e continuou escrevendo. Uns dez minutos depois, Graciliano virou-se para ele e disse: "É, é feições mesmo."

Miguel gostava muito dos escritos de Graciliano. Vez por outra, ele me recitava trechos do seu livro Angústia." Miguel Trindade morreu em 1973, com a idade de 71 anos. Minhas homenagens a esse lutador desconhecido pela  história do Rio Grande do Norte.

Miguel Trindade, o comunista que veio de Angicos (I)

Miguel Trindade, o comunista que veio de Angicos (I)

Miguel Trindade Filho herdou o nome do pai, que por sua vez herdou do avô, Miguel Francisco da Costa Machado. Costumava dizer, em face de alguns modernismos: "Eu não sou de 12, eu sou de 02!". Ele nasceu em Angicos, em 21 de março de 1902. Nasceu no mesmo dia e mês que seu padrinho José Anselmo Alves de Sousa. Logo cedo, aos 16 anos, ganhou o mundo sem ter tido qualquer educação formal. Tornou-se autodidata. Teve uma vida de muito sacrifício.

Em 1921 foi admitido como trabalhador, nos Correios e Telégrafos, para servir na Estação de Angicos. Seguiu para Jardim de Angicos em 1923. Foi transferido para Pernambuco em 1926. A partir de 1 de fevereiro de 1936 esteve afastado do trabalho.Exonerado em 1936, só retorna ao trabalho em 1940, por decisão judicial. Somente agora nas minhas pesquisas tive conhecimento do que ocorreu nesse período, principalmente por informações do seu sobrinho, João Batista de Mello Pinto. Andrade Lima Filho no seu livro "China Gordo" (Agamenon Magalhães e sua época) relata o que se segue:

"Minha prisão era simples formalidade. Todavia, preso, eu cometera o maior dos crimes: identificara o odor sagrado do regime. Permaneci apenas duas horas no isolamento. Às seis, vieram me buscar. O diretor do Presídio, Cel. João Nunes, me mandava convidar para jantar com ele em sua residência, situada no pavimento de cima. A princípio estranhei o convite, mas quando cheguei lá compreendi a razão: meu pai, amigo de João Nunes, lá estava. Fora me visitar, levando alguma roupa, frutas e biscoitos. O velho jantou conosco. Quando ele se retirou, voltei à minha jaula. Já não era a mesma. Tinha idêntica exigüidade, uma exalação de mofo igual, o fedor da outra. Mas havia ali, pelo menos, calor humano. Habitavam-na três comunistas que seriam daí por diante meus companheiros de prisão por longo tempo. É curioso: o cárcere, que não conhece a aritmética, soma quantidades heterogêneas. Fizemos logo boa camaradagem. Os pólos políticos se encontravam sob aquele meridiano sombrio. Tocavam-se os extremos. Dois deles eram boas praças, idealistas sinceros, a quem, apesar das nossas divergências então acirradas, afeiçoei-me logo. Um, o marinheiro José Leite, que mais tarde eu voltaria a encontrar na Assembléia Legislativa feito deputado. O outro, o Trindade Júnior, um telegrafista norte-riograndense, baixote, loquaz, muito lido. Trindade conhecia razoavelmente Marx e sabia de cor todo o "Eu" do Augusto dos Anjos. Mas quando ele vinha com a teoria da "Mais Valia", eu cortava logo a doutrinação, dizendo: - " Marx não, vamos ao Augusto". Ele ria e não parava mais de recitar até que chegava a hora da "gororoba", a péssima comida dos presos, de que não vim a provar, entretanto, pois a minha, que dividia com eles, vinha em quantidade da casa da noiva. Quanto ao terceiro, um paraibano encrenqueiro e rixento chamado Anastácio, antipatizei logo com ele: era um delator. Toda vez que o pobre moço era chamado para o interrogatório no DOPS, já podíamos esperar, à noite ou pela madrugada, a chegada de novas levas de prisioneiros: ele dava o serviço. Decorridos 29 dias nessa rotina, houve uma mudança de cela. Meus companheiros foram removidos para o raio oeste, onde se encontravam os comunistas graduados, entre os quais Silo Meireles, colaborador íntimo de Luiz Carlos Prestes."

Agora, aos 61 anos de idade, tomo conhecimento desta narrativa para mim desconhecida.   

O tesouro da igreja católica

O Tesouro da Igreja Católica

Minha pesquisa genealógica está me levando para muitas áreas do conhecimento. Além de me levar aos meus antepassados, me faz conhecer melhor o estado, alguns municípios e os hábitos e os costumes de épocas anteriores. Sempre gostei de História e Geografia. Lia os livros antes do início do período letivo. A maior parte do trabalho da pesquisa é feita em cima de livros de óbitos, casamentos e batismos e todo esse tesouro se encontra guardado na Igreja. É impossível conhecer, com mais detalhes, a nossa história sem se debruçar em cima de toda essa relíquia. Embora tenha começado meu trabalho com os livros Angicos, de Aluizio Alves e Angicos, Ontem e Hoje de Zélia Alves, somente com os registros da Igreja, eu pude me aprofundar mais sobre os laços familiares do passado. O material que tenho manuseado data do período compreendido entre 1820 e 1898. São livros com mais de 150 anos. No primeiro momento não são de fácil leitura, em virtude da caligrafia própria da época e também por conta de muitas abreviaturas. Há também trechos já apagados, faltando pedaços ou completamente esfarelados. O manuseio tem que ser feito com muito cuidado. Com o tempo, a vista e a mente vão se acostumando com o que está escrito e passamos então a dominar a leitura com mais facilidade. Grande parte do material que se encontra aqui em Natal já foi microfilmado, mas, infelizmente, a Cúria não tem equipamentos para leitura desses microfilmes, nem para fazer cópias dos mesmos. Dessa forma, ou fotografamos o que está lá ou simplesmente transcrevemos. É um trabalho árduo que leva tempo, mas que compensa por conta do aprendizado. Nessa viagem ao passado vamos descobrindo que nossos parentes tinham escravos, que as mulheres tinham filhos a cada ano e por mais de 20 anos.  Vemos também que muitas crianças morriam nos primeiros dias ou meses e que muitas vezes as mães morriam de parto. Eram as condições de educação e de higiene da época que as levavam a essa situação. Os livros vão informando também a freqüência dos filhos ditos naturais. Era o registro da época que antecedeu a 1890. Todos são registrados, os brancos, os negros, os pardos, os cabras e os escravos. Em um dos livros encontramos o seguinte registro de óbito: "Aos dois de maio de mil oitocentos e quarenta e quatro, nesta Matriz, de grades abaixo foi sepultada a adúltera Ignácia Francisca, mulher de Pedro Alexandre tendo idade de trinta anos, envolta em hábito branco, por mim encomendada, e para constar fiz este assento em que assino. Pe. Felix Alves de Sousa, Vigário de Angicos.". O registro de batismo do Jornalista Pedro Avelino, que encontro, diz o seguinte: "Pedro, filho legítimo de Vicente Ferreira da Costa Avelino e sua mulher Anna Bezerra da Natividade moradores nesta Freguesia, nasceu aos dezenove de maio de mil oitocentos e sessenta e um, e foi por mim solenemente batizado nesta Matriz de São José de Angicos aos trinta do mesmo mês e ano; foram padrinhos Luiz Gonzaga de Brito Guerra (futuro Barão de Assú e Ministro do Supremo Tribunal de Justiça do Império), casado, e Anna Teixeira de Sousa, casada, por sua procuradora Maria Leocádia Teixeira de Sousa, solteira, moradores aquele na Freguesia de Campo Grande, e esta nesta de Angicos; do que para constar mandei fazer este termo em que assino. Félix Alves de Sousa. Um exemplo de registro de casamento, por sinal muito abreviado e resumido(nesse não aparece o nome dos pais),  é o do  meu bisavô (último presidente da Câmara Municipal de Angicos no regime Monárquico) : "Aos 8 de maio de 1851, às três horas da tarde, nesta  Matriz  uni e abençoei em Matrimônio, os contraentes, meus Fregueses João Felippe da Trindade e Francisca Ritta da Costa, brancos, servatis ex more servandis, testemunhas Alexandre Francisco de Azevedo Costa e Gonçalo José Barbosa, do que faço este assento em que assino. Felix Alves de Sousa, Vigário Colado de Angicos.".  Seria interessante se as empresas privadas ou o poder público pudessem ajudar a Cúria Metropolitana com equipamentos que facilitassem as cópias de documentos como esses para os estudiosos e as pessoas em geral. A História do Brasil seria a grande ganhadora.

Faltou, multa de dois mil réis

 Faltou, multa de dois mil réis (1861-1864).

Minhas pesquisas genealógicas tiveram apoios importantes, em termos de documentos para este artigo, de João Evangelista Romão, autor de Além dos Jardins – História e Genealogia de Jardim de Angicos e Zélia Alves, autora de Angicos, Ontem e Hoje. Com a documentação cedida por eles, tive acesso a algumas atas da Câmara Municipal de Angicos e a relação de parentesco dos seus membros. Naquela época, a Câmara representava o poder local. Não havia Prefeitos como hoje. Toda a relação do Presidente da Província com a Vila ou Município se dava através da Câmara. Em quase todas as sessões eram lidos os ofícios do Presidente da Província cobrando informações e encaminhando as resoluções nacionais e estaduais. Os Juízes de Paz e os Vereadores, no período aqui descrito, eram escolhidos na mesma eleição. Eram sete vereadores e quatro juízes. O mais votado dos vereadores era, automaticamente, o Presidente da Câmara Municipal. Foram eleitos para o período 1861-1864, pela ordem de votação, os seguintes vereadores: Alferes Florêncio Otaviano da Costa Ferreira (bisavô de Pedro Jorge, atual Secretário Adjunto de Educação de Natal), proprietário José Irineu da Costa Pinheiro (avô de Edinor Avelino e bisavô de Gilberto Avelino), proprietário Francisco das Chagas e Azevedo Sousa, negociante Antonio Francisco da Costa Machado (meu tio-bisavô), proprietário Trajano Xavier da Costa, estudante José Francisco Alves de Sousa (casado com minha tia-bisavó Maria Ignácia e pai do Capitão José da Penha) e o negociante João Evangelista de Deus Gonçalves. Na sessão do dia 29 de julho de 1861 presidia a sessão da Câmara Municipal de Angicos, o Alferes Florêncio Otaviano da Costa Ferreira. A sessão deixou de ter início por falta dos vereadores que não compareceram, com exceção do vereador Azevedo Sousa. Anteriormente, na sessão de 07 de fevereiro, o vereador Costa Pinheiro tinha pedido licença de seis meses para tratar de sua saúde e na sessão do dia 20 de Abril, o vereador Alves de Sousa tinha solicitado licença para fazer uma viagem para tratar de seus negócios. A sessão, portanto, em face da ausência da maioria dos vereadores ficou adiada para o dia seguinte com a convocação dos suplentes José Antonio dos Santos Leal (reeleito nessa legislatura, fiscal da Câmara), Cosme Teixeira Xavier de Carvalho (meu tio-bisavô e irmão de Maria Ignácia) e Vicente Ferreira da Costa Avelino (meu tio-bisavô, pai de Pedro Avelino, Emygdio Avelino e avô de Georgino Avelino). O presidente, então, autorizou a imposição de multa de dois mil réis por cada dia de falta aos vereadores Gonçalves, Xavier da Costa, Costa Pinheiro e Costa Machado. Ficou acertado ainda que deixariam de receber multa, Costa Pinheiro  se ainda estivesse de licença e Costa Machado se justificasse, com documentos autênticos, o seu incomodo de  moléstia como alega em sua parte que não julga legal. Embora não fosse remunerado, o vereador pagava multa quando faltava. Outro fato interessante ocorreu na sessão do dia 12 de novembro de 1862. Foi lido oficio do excelentíssimo Presidente da Província, com data de 19 de agosto, prevenindo a Câmara que o napolitano Luigi Pugliese, boticário em um lugarejo da província de Salermo, partira para o Brasil com a intenção, talvez, de exercer a medicina ou mesmo a farmácia. Cumpria que a Câmara estivesse de sobreaviso para que ele não leve a efeito o seu intento sem que exiba as provas de habilitação exigida pelo art. 25 do regulamento n° 828, de 29 de setembro de 1851. Já na sessão de 15 de novembro de 1862 (ainda não era feriado), o vereador Alves de Sousa propôs ao senhor Presidente, que achava justo que a Câmara se dirigisse ao governo da Província, comunicando relativamente à alteração na parte do sobrenome de alguns vereadores, o que sendo posto em votação assim foi resolvido. Observando documentos posteriores a essa data, se verifica o acréscimo do sobrenome Maria não só de alguns vereadores, mas de outras pessoas que viviam nesse período. O Secretário da Câmara nessa legislatura era José Vitaliano Teixeira de Sousa.