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domingo, 18 de outubro de 2015

Manoel Jairo Bezerra, por ele mesmo



Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
Manoel Jairo Bezerra, sócio correspondente
Discurso de posse, na categoria de sócio correspondente  do IHGRN, proferido em sessão solene de 15 de dezembro de 1994.

Tinha razão o poeta norte-rio-grandense, Vicente Pereira, quando escreveu: “Só não é tempo de rosas para quem não planta roseiras...”.
Não tenho dúvida de que com meus 74 anos não estou mais no tempo de rosas, de homenagens e de distinções, como a de ser convidado para sócio do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Felizmente plantei roseiras de estudos, trabalhos e correção de atitudes.
Procurei contar um pouco da minha vida, para tentar justificar o possível motivo do honroso convite que recebi.
Nasci em Macau.
Fiz meus estudos primários no Grupo Escolar Duque de Caxias, da minha cidade natal. Cursei os cinco anos do ginasial em Natal, no Colégio Marista – o velho Santo Antônio.
Pensava em ser padre...mas, no dia 6 de junho de 1936, após um retiro, realizado para os jovens da última série pensarem na carreira que deveriam seguir, disse ao meu colega Eugênio, que me perguntara o que tinha decidido: “Não vou mais ser padre... e você?”. Ele respondeu: “Vou ser agrônomo...”. Hoje ele é o cardeal Dom Eugênio de Araújo Sales e eu, após muitas lutas e desenganos, tornei-me professor de Matemática.
Após decidir não ser padre, comecei a estudar, por correspondência, para ser aviador militar.
Ao terminar o ginasial, fui a Macau pedir autorização ao meu pai para seguir aviação militar (tinha 15 anos). Meu pai disse-me que não era do seu agrado, mas me daria autorização e minha mãe de criação declarou: “Se você for para a aviação, não precisa mais escrever para casa...” (Naquele tempo, aviação era suicídio...)
Decidi ir para o Rio disposto a não querer mais ajuda de meus pais.
Cheguei ao Rio de Janeiro no dia 6 de dezembro de 1936. Fiquei no cais do porto, cerca de quatro horas, sentado no meu baú...O representante da Instituição, que ficara de me esperar, não apareceu.
Soube, no dia seguinte, que tinha sido ludibriado. Conheci, com menos de 16 anos, o “conto do vigário”. Sofri muito...
Uma semana depois fui operado de apendicite supurada, gangrenada e mais ainda um abcesso no intestino. Quase morri...
Passei cerca de dois meses no hospital. Na cama, pensei muito e decidi cursar o complementar de Engenharia, na antiga Escola Politécnica, em 1937 e 1938.
Em 1937 e 1938, trabalhei e estudei à noite.
No final de 1938, resolvi tentar novamente a aviação. Fiz concurso para a Reseva Naval Aérea. Não existia Aeronáutica. Dos quase duzentos candidatos, foram aprovados apenas 13, no exame intelectual. Eu fui o décimo primeiro, mas fui reprovado no exame de saúde, em consequência da operação que fizera.
Desempregado e sem querer pedir ajuda à família, passei maus momentos...Duas vezes pedi dinheiro na rua.
Tive a sorte de encontrar um amigo de infância, que me levou para trabalhar no colégio de sua família: o Colégio Metropolitano de Adauto Câmara, Alexandre Dijesu do Couto e Vitoldo Zaremba.
Comecei a trabalhar no dia 1º de maio de 1939, na secretaria do colégio, onde cheguei com três níqueis de tostão. Era toda a minha fortuna...
Trabalhava e dormia no colégio. No convívio com os professores, assistindo aulas e estudando nos livros da biblioteca, fui adquirindo a vontade de ensinar. Fiquei em 1939 e 1940 no Colégio.
No início de 1941, fiz concurso para a Faculdade Nacional de Filosofia (Matemática) e me inscrevi no CPOR.
Em 1943, saí aspirante de Artilharia, pelo CPOR, e em 1944 concluí o Curso de Licenciado em Matemática, pela Faculdade. Continuava lecionando Matemática, no Colégio Metropolitano.
Em 1944, fui convocado para fazer o Curso de Artilharia de Costa. Concluí esse curso, de três meses, em 5º lugar, e fui promovido a 2º tenente. Em dezembro de 1944, fui transferido para uma bateria na Ilha do Mosqueiro.
Casei-me, em 1945, no Mosqueiro, com Vera, irmã da esposa de Adauto Câmara. ainda em 1945, fui promovido a 1º tenente.
Em 1946, deixei o Exército, apesar de ter sido consultado para continuar. Voltei ao Rio e ao Curso Metropolitano, ainda em 1946.
Daí para diante trabalhei e estudei muito. Encontrara minha vocação. Deus me ajudou e tive muita sorte.
Fui aprovado em nove concursos para professores, cinco dos quais em primeiro lugar. Ganhei concurso nacional e prêmio para estudar seis meses em Paris (1958). Fui convidado dos governos da França, Alemanha e Estados Unidos para viagens de aperfeiçoamento.
Mediante concursos, fui: professor fundador do Colégio Naval (1951), professor do Colégio Pedro II (1952) e catedrático do Instituto de Educação (1965). Lecionei 19 anos e meio na Escola de Estado Maior da Aeronáutica (1959/1979). Tive como alunos 6 generais, 19 almirantes e mais 60 brigadeiros.
Publiquei 52 livros. Um deles com mais de 60 edições e mais de um milhão de exemplares.
Em outubro de 1993, tomei posse na Academia Madureirense de Letras e escolhi para patrono meu ilustre conterrâneo Luís da Câmara Cascudo.
Para escrever o discurso sobre o meu patrono, procurei auxílio na biblioteca do Centro Norte-rio-grandense e consultei meu amigo de infância Oswaldo Lamartine, meu grande amigo Américo de Oliveira Costa e o presidente do Instituto Enélio Lima Petrovich.
Disse ao Dr. Enélio que escolhera Cascudinho, pelo que sabia sobre ele, desde 1935, quando o nosso conterrâneo escreveu na revista “Echos”, do Colégio Santo Antônio, o artigo “A exploração do vício pela virtude”.
Em homenagem à Cascudinho e a este Instituto, vou ler parte do pequeno discurso que escrevi, solicitado pela Academia, para apresentar o meu patrono aos outros sócios fundadores.
“O escritor norte-rio-grandense Nilo Pereira escreveu: “Antigamente, os mortos morriam; hoje encantam-se”.
Folclorista, historiador, jornalista, poeta, musicólogo, biógrafo, antropólogo, orador, etnógrafo, crítico literário, professor, humanista, poliglota, sábio.
Luís da Câmara Cascudo é nome de rua, biblioteca, escola, museu, centro de ensino, medalha, nota do nosso sistema monetário, memorial e viaduto, além de tema de dissertação e teses universitárias.
Pertenceu a todos os Institutos Históricos e Geográficos do Brasil e foi o mais antigo sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (30/07/1934). Fundador da Academia Norte-rio-grandense de Letras; hoje é seu patrono.
Condecorações, títulos honoríficos e honrarias o consagram cidadão do mundo.
Autor de mais de 150 publicações.
“Sem dúvida, Cascudinho é a Universidade mais antiga do Rio Grande do Norte”, escreveu Onofre Lopes.
Esse resumo, do resumo de sua biografia, seria suficiente para justificar a indicação que fiz do meu conterrâneo Luís da Câmara Cascudo, para meu patrono; mas, certamente, meu coração e minha memória acrescentariam outras lembranças para essa feliz escolha: as recordações das referências elogiosas que ouvia dos mais velhos, no meu tempo de criança interna no Colégio Santo Antonio (1932 a 1936); o artigo “A exploração do vício pela virtude”, escrito por Cascudinho na revista “Echos” do Colégio Santo Antonio, em 1935, que guardo com carinho entre os livros da minha biblioteca de Matemática; a conferência realizada no Rio de Janeiro, a convite da Cultura Inglesa, sobre “Os ingleses no Brasil!”, e que a todos causou admiração, porque Cascudo não consultou anotações.
Escreveu Américo Costa que, em virtude dos livros publicados por Cascudo, sobre o Rio Grande do Norte, o ex-prefeito de Natal e depois governador do Estado Sylvio Pedroza, outorgou a Cascudo, por decreto, o título de Historiador Oficial da Capital Norte-rio-grandense.
E Américo Costa finalizou sua palestra, realizada na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 31/10/1989, dizendo: “Daí porque, magnificamente, se justifica a indagação perplexa do escritor norte-rio-grandense Osvaldo Lamartine, em carta ao jornalista Woden Madruga: E Agora, sem Cascudo, a quem a gente vai perguntar as coisas?”
Concluo com mais duas citações. A do poeta Drumond, sobre Câmara Cascudo: “Doador de nascença, espalha aos quatros ventos o que foi recolhendo a vida inteira”. E com a sentença do escritor potiguar Enélio Lima Petrovich, presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte: “O testemunho e a imagem do mestre são exemplos e lição, maiores e perenes, de sua imortalidade”.
Creio que o dr. Enélio me convidou ou pela minha vida que acabo de narrar, ou pela minha luta para vencer, ou pela minha decisão de escolher Cascudinho como meu patrono, ou pela bondade de meus conterrâneos. Não sei.
O certo é que me deram a grande honra e a imensa alegria de fazer parte de um pedaço do meu Rio Grande do Norte, que é o Instituto Histórico e geográfico, que, neste momento, me oferta as rosas da consideração e da amizade.
Muito obrigado a todos.