João Felipe da
Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Matemático, sócio do
IHGRN e do INRG.
Durante muitos anos fiquei sem
qualquer conhecimento sobre o que tinha acontecido de verdade com meu pai, de
1935 até 1939. Aqui mesmo, neste jornal, escrevi um artigo intitulado “O
telegrafista extremista”, onde retratei os passos dele, Miguel Trindade Filho,
após o levante de 1935, baseado em notícias de antigos jornais da época,
digitalizados pela Hemeroteca Nacional.
Resumidamente, descobri que ele
tinha sido transferido, ainda em janeiro de 1936, da Regional dos Correios de
Pernambuco (estava em Recife desde 1926) para a de Mato Grosso, fato que não
constava na sua ficha funcional. Na viagem para esse estado, no vapor Poconé,
em fevereiro desse mesmo ano, foi impedido de desembarcar em Salvador, acusado
de exercício de atividades comunistas. O vapor seguiu viagem para o Rio de
Janeiro, tendo sido ele, e Wanderlino Vírginio Nunes, presos a bordo, por
investigadores da Polícia Central, no dia 21 de fevereiro. Nesse mesmo ano, em
14 de março, chegavam presos ao Rio de Janeiro, no vapor Manaus, 116
extremistas, estando entre eles, Graciliano Ramos e duas mulheres Maria Joana
de Oliveira e Leonila Félix.
Após essa prisão, a única
informação que tive a mais desse ano, é que o praticante diplomado, Miguel
Trindade Filho, tinha sido exonerado por exercício de atividades subversivas de
ordem política e social, em ato de 25 de junho de 1936. A sua nova prisão em
1938 foi decorrente de duas cartas.
Voltei a encontrar novas
notícias sobre Miguel Trindade Filho, nesses velhos jornais, somente em 1938.
Havia um processo que tratava do julgamento dos participantes do levante de
1935, rolando nesse ano. Era o processo 636, que posteriormente localizei uma
cópia microfilmada, no Arquivo Nacional. Fiz a encomenda desse processo, que
recebi em CD. É nele que encontrei uma ficha do DOPS e um auto de declaração
prestado por Miguel Trindade Filho e outros participantes. Daqui do Rio Grande
do Norte, além de papai, aparecem, também, o veterinário, Dr. Raimundo Gurgel
Cunha, e o estudante de Direito, José Ariston Filho.
Na ficha do DOPS constava que
papai fora preso em 21 de dezembro de 1935, com suspeita de participação no
movimento extremista de novembro daquele mesmo ano; que em 18 de janeiro de
1936 foi posto em liberdade e que procedida uma busca em sua residência, por
ocasião da prisão, fora apreendido livros e boletins de caráter comunista e que
ele confessou-se simpatizante da doutrina marxista; que em 14 de junho de 1938,
fora preso em Natal, à disposição da Delegacia, em Recife, como acusado de
exercer atividades extremistas.
Nessa ficha ainda constava que
em 18 de junho de 1938 fora recolhido ao Presídio Especial; declarou que em
fins de abril desse ano, no escritório comercial Oliveira & Cia, situado à
Rua Chile, número sessenta e três, em Natal, onde trabalhava, foi procurado por
um individuo desconhecido (que se identificou como Cardoso), que lhe disse que
o procurava por indicação de José, pessoa que papai não sabia quem era; que
tinha uma carta que era dirigida ao declarante, mas como Cardoso lhe dissera
para entregá-la a quem procurasse, o declarante assim o fez; que reconhecia na
fotografia que foi mostrada na Delegacia, a pessoa de Cardoso, o que sabia
naquele momento ser conhecido em Recife pelo nome de Hélio Soares ou “Amorim”.
No auto de declaração que
aparece, resumidamente, na ficha, ele conta que dez dias após essa visita
apareceu a pessoa, que ele descreveu como sendo um rapaz de cor morena,
estatura regular, trajado modestamente, o qual solicitou a entrega da carta
deixada pelo tal Cardoso.
Continuando seu depoimento (o
documento tem partes de difícil leitura) Miguel Trindade declarou: que exerceu
neste estado (Pernambuco) as funções de praticante diplomado da Diretoria
Regional dos Correios e Telégrafos; que após o movimento subversivo de novembro
de mil novecentos e trinta e cinco, o declarante foi preso como suspeito, tendo
sido posto em liberdade dias depois; que ao passar ao Rio de Janeiro com
destino ao Estado de Mato Grosso, para onde fora transferido, o declarante foi
detido pela polícia carioca, tendo passado três meses detido, sendo posto em
liberdade sem ser ouvido; que então resolveu voltar ao Rio Grande do Norte e abandonou
o seu cargo; que não sabe se a carta apreendida por esta Delegacia na agência
postal da Praça Maciel Pinheiro e que lhe fora dirigida por Cardoso, também
fora escrita pela mesma pessoa que lhe dirigiu a carta que chegou às suas mãos;
e como nada mais disse nem lhe foi perguntado, a autoridade mandou encerrar o
presente, que lida e achada conforme, me assina com o declarante e comigo
Heitor de Araújo de Sousa, escrivão que a escrevi. Edson Moury, Miguel Trindade
Filho.
Foi no livro “China Gordo” que
Andrade Lima Filho cita papai, com quem esteve preso, em 1938.
Habitavam-na três comunistas que seriam daí por diante meus companheiros de prisão por longo tempo. É curioso: o cárcere, que não conhece a aritmética, soma quantidades heterogêneas. Fizemos logo boa camaradagem. Os polos políticos se encontravam sob aquele meridiano sombrio. Tocavam-se os extremos. Dois deles eram boas praças, idealistas sinceros, a quem, apesar das nossas divergências então acirradas, afeiçoei-me logo. Um, o marinheiro José Leite , que mais tarde eu voltaria a encontrar na Assembleia Legislativa feito deputado. O outro, o Trindade Júnior (na verdade Trindade Filho), um telegrafista norte-rio-grandense, baixote, loquaz, muito lido. Trindade conhecia razoavelmente Marx e sabia de cor todo o "Eu" do Augusto dos Anjos. Mas quando ele vinha com a teoria da "Mais Valia", eu cortava logo a doutrinação, dizendo: - " Marx não, vamos ao Augusto".