Professor da UFRN, membro do IHGRN e
do INRG
Antes
de vir para cá, em 1612, como governador e capitão geral do Brasil, Gaspar de Sousa
recebeu uma carta de Filipe, Rei da Espanha e Portugal com várias recomendações,
entre as quais a de nº 10 que dizia:
Sou informado que por a povoação da
capitania do Rio Grande ir em crescimento e não haver nela modo de governo nem
quem administrasse a justiça e haver disso alguma queixa, e os capitães estarem
absolutos, nem haver escrivão com que se pudesse agravar e apelar deles para a
Relação, nem se puderem remediar as coisas que faziam mal feitas, o governador
Dom Diogo Menezes com parecer da Relação ordenou que houvesse ali um juiz, um
vereador, um procurador do conselho e escrivão da câmara e um tabelião e assim
um provedor da fazenda, que era cargo que os capitães serviam e em que havia
inconvenientes para minha fazenda, os quais ofícios proveu sem ordenado dela e
que lhe não é necessário havendo câmara formada, conselho e oficiais a quem se
possa recorrer e que com isto se acode ao remédio do povo e dos soldados por os
capitães lhe acudirem com seus soldos pelo miúdo vendendo-lhe suas mercadorias
como querem e por preços excessivos e depois recolherem suas praças ficando os
soldados sem remédio, que é a causa porque pedem que se lhe mandem fazer suas
pagas a dinheiro; e porque convém ter mais particular notícia do que nisto há e
se deve guardar a ordem que o dito governador deu ou alterar se em alguma
forma, vos encomendo me aviseis de tudo com vosso parecer.
A
partir dessa data o absolutismo dos capitães-mores ficou menor e houve muitos
embates entre eles e o Senado da Câmara. Mas o tempo foi passando e,
atualmente, o poder legislativo e o executivo se unem para os benefícios de
cada um. A troca de favores garante a famigerada governabilidade, e os
mensalões ou similares se espalham pelo país. As negociações se dão tanto
através dos presidentes dos poderes legislativos como através de cada membro
desses poderes.
Aqui
em Natal, além de cargos comissionados distribuídos entre alguns vereadores da
base de apoio, havia também a prática de entregar a Companhia de Serviços
Urbanos-URBANA, ao presidente da Câmara de vereadores.
Mas
surgiu outra combinação mais nociva ao poder executivo: os convênios de cessão
de servidores da Câmara para a Prefeitura. Por ele, vários servidores são
“cedidos” à Prefeitura, e distribuídos por várias Secretárias Municipais com
ônus para estas últimas. Essas cessões são muitas vezes fictícias, pois
diversos servidores continuam trabalhando na Câmara ou não trabalhando em canto
nenhum.
Quem
acessar o Portal da Transparência da Prefeitura vai poder constatar esse
absurdo. Este mês a Prefeitura, finalmente, disponibilizou na internet a
relação dos servidores com os seus salários e lotação. É lá que encontramos
servidores da Câmara recebendo pela Prefeitura, enquanto centenas de servidores
terceirizados ou fornecedores estão sem receber um vintém.
Esse
tipo de convênio penaliza a administração municipal e favorece financeiramente
a Câmara. Com a sobra de recursos que advém do uso desse convênio, a Câmara
pratica outras ações que beneficiam todos os vereadores.
Hoje
é fácil entender porque a Prefeita da cidade tinha índices altíssimos de
desaprovação e, ao mesmo tempo, uma base aliada invejável. Ao invés de
fiscalizar o poder executivo, como era e é para ser, os vereadores,
beneficiados pelo poder executivo, foram partícipes do caos administrativo e
financeiro que deixou a cidade abandonada em seus serviços mais essenciais.
As
eleições para presidência da Câmara estão começando. O vereador Lucena
prometeu, pelo que se lê nos jornais desta cidade, que se eleito haverá uma
Câmara independente, sem pedir cargos e favores ao novo Prefeito. Diz mais que
conta com 19 votos. Não acredito, pois uma prática nociva, de muitos anos não
se acaba de uma hora para outra. Além disso, a independência da Câmara não se
dá tão somente pela presidência, ela se dá, também, através de cada vereador.
Finalizo
com um recado para o Prefeito: o Senhor suspendeu as atividades de algumas
Secretarias e exonerou vários cargos comissionados. Cortou também o pagamento
dos servidores da Câmara “cedidos” para Prefeitura?